sábado, 5 de dezembro de 2020

BARRÔ E O SEU DESLIGAMENTO HISTÓRICO DA CULTURA

 

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)




Há dias perguntei a um meu familiar próximo se na nossa aldeia, em Barrô, actualmente, havia algum morador que tocasse um instrumento musical, mesmo que fosse jovem. A resposta foi negativa. Ou seja, num universo de cerca de uma centena de residentes, ninguém passa cartão à música. Ressalvo que nas últimas seis décadas também não me lembro de haver qualquer instrumentista no lugar.

De repente, numa viagem ao passado, recordo que a povoação foi – e ainda é – muito rica em jazidas de barro em toda a sua periferia – daí o nome Barrô - e que nas décadas de 1950/60 e 70, pela sua elevada qualidade, deram origem a duas grandes fábricas cerâmicas de telha e tijolo no alto Couto, no cimo do lugar, próximo de Vila Nova de Monsarros – na linha de fronteira com o concelho de Anadia.

Então, olhando para trás, uma pergunta subsiste: sendo o povoado tão rico em matéria-prima, a argila, por que razão nunca teve artistas ligados ao barro?

É óbvio que não se podendo responder com certeza absoluta, só podemos especular. Prosseguindo na conjectura, podemos facilmente adivinhar que a cultura foi sempre o parente pobre das nossas gentes humildes.

É claro que não podemos esquecer a nossa reputada Natália Morais, que sempre se dedicou ao empalhamento de garrafões em vime. Hoje, apesar da sua longa idade, mas de boa saúde, felizmente, a Natália, por força da sua profissão ter caído em desuso, é a nossa embaixadora cultural no concelho – um dia destes falarei dela aqui – e convidada pela Câmara Municipal da Mealhada para qualquer feira, ou mercadinho, como atracção artística.

No limite, até podemos pensar que a cultura não faz falta nenhuma. Mas será assim?

Antes de prosseguir, devemos apresentar o significado de Cultura: Edward B. Tylor dá-nos a definição. “Cultura é "todo aquele complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade, extraído da Wikipédia.

Claro que a linhagem de um povo, no seu perpassar da tradição, manifestando-se na sua erudição, faz imensa falta. Acima de tudo, na ausência de alegria fisionómica, em manifestação comportamental, e afundamento na solidão e angústia colectivas.

O preenchimento dos tempos vagos com recriação artística é o alimento da alma. Gentes sem substrato cultural são um povo fechado sobre si mesmo, sem consciência da beleza que suplanta a natureza das coisas. O que transforma as pessoas de simples passageiros terrenos para humanos transcendentais é a sua espiritualidade ecuménica, relativo ao universo, à terra habitada.

Só para mostrar, por exemplo, se se pretender criar um grupo coral, um grupo instrumentista, um grupo folclórico e até um grupo de teatro cénico, inevitavelmente, a sua criação esbarra na falta de formação musical.

Se esta crónica não prestar para mais nada, ao menos, faço votos que sirva para alertar os novos pais, sobretudo para incentivarem os seus filhos para aprenderem música.

Vale a pena pensar nisto?


RECTIFICAÇÃO


Após escrever este texto na página do Facebook, vários moradores de Barrô insurgiram-se contra o facto de, segundo um informação menos certa, eu ter escrito que na aldeia não havia um único instrumentista. Felizmente, afinal há mais do que um que tocam vários instrumentos. Por outro lado, para meu contentamento, fiquei a saber que a música já faz parte do futuro de vários miúdos.

Ainda bem que estava errado. A quem se sentiu enganado as minhas desculpas.

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