quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

BARRÔ: A CAPELA DA NOSSA ALDEIA

 





Hoje, à hora de almoço, quando fazia a saudável caminhada diária na companhia da minha mulher, para nossa boa surpresa, encontrámos a capelinha alusiva às Alminhas com a porta aberta – segundo a Wikipédia, as “Alminhas são oratórios de culto às almas do purgatório, hoje consideradas património artístico-religioso. São pequenos altares onde se pára um momento para deixar uma oração e, por vezes, uma esmola pelas almas. É, também, frequente encontrar velas e lamparinas acesas, deixadas pelas pessoas que passam no local, ou mesmo outras oferendas como azeite ou flores”.

Espreitando para dentro do habitáculo da pequena ermida, deu para ver o gosto requintado do pequeno altar. Duas jarras com arranjos de orquídeas artificiais e uma vela acesa veneravam uma imagem de Nossa Senhora de Fátima

No chão, aos pés do púlpito sagrado, um presépio alusivo aos dias que decorrem dão as boas-vindas a quem vier por bem.

Nos cerca de setecentos metros que separam este pequeno santuário e a capela principal evocativa ao mártir São Sebastião, em farrapos de memória, recordei a grande festa de ano que, nos idos anos de 1960/70/80, se realizava num grande terreiro junto às Alminhas, salvo erro, no verão. Um dos grandes agrupamentos musicais que relembro a actuar foi o “The Yanques”, de Tamengos, Anadia, e que recentemente apagaram cinquenta velas.

Havia também a festa de São José, salvo erro, em Março, que se realizava no Largo da capela -ainda hoje se pode apreciar um pequeno oratório incrustado no prédio propriedade de José Maria “Barbeiro”. Esta alegoria também se comemorava com conjunto musical.

Depois dessa época, de grande pobreza no pecúlio das gentes mas de ouro na união e na concorrência entre aldeias em redor para ver quem fazia a melhor festa, onde a tradição falava mais alto, progressivamente, quase tudo acabou. Só restou a festa anual do padroeiro-mártir São Sebastião. Talvez sem o pressentirmos, estávamos a cavar a tumba da partilha, da encontro, do abraço sentido entre os que estavam e os que vinham para comer um borrego, matado de propósito, e transformado em carne-assada em “caçoilas” de barro negro e assada em forno de lenha. Ainda hoje, com o devido exagero, consigo apreender pelo olfacto o perfume inebriante e pantagruélico que se disseminava pela povoação, saído das chaminés e misturado naqueles fiosinhos de fumo branco, que se elevavam em direcção ao céu.

Já nessa altura, a capela principal apenas abria na festa em honra de São Sebastião ou se morresse algum filho da terra.


E, DEPOIS DO ADEUS, O QUE FICOU?


Com o apagamento das duas festas anuais, creio, por volta da década de 1980, mesmo assim, a aldeia ainda continuou a respirar laços de convívio. Os seus pulmões que arejavam a povoação eram o “Toino da Loja”, com a sua mercearia e taberna, na rua principal, e o café do Alberto e da esposa Cristina, que abriu portas por volta de 1985.

Na década seguinte, em 1993, nasceram as grandes superfícies em Coimbra, Makro e Continente, e a mercearia do “Toino da Loja” levou o primeiro embate.

Na taberna e no café do lugar, o vinho, era o sangue que corria nas veias da gente simples da terra, sobretudo nos mais velhos, porque o local comercial, dentro da sua simplicidade e graciosidade, era o convento e todos eles os frades da confraria que, em torno de um pipo voltado na vertical, a jogar à sueca, ou na rua, a arremessar malhas de ferro ao fito ou “finto”, se reuniam ao Domingo e festejavam com um vaporoso tinto carrascão, provavelmente da zona de cadouços.

Naturalmente, os mais velhos foram deixando o mundo dos vivos e, aos poucos, o néctar de Deus foi sendo substituído pela cerveja – os mais jovens passaram a beber o elixir da cevada, mas já não iam adquiri-la aos estabelecimentos locais. Por ser mais barata, iam comprá-la directamente às novas catedrais de consumo e bebiam em casa.

O pouco que ficou em consequência desta mudança de costumes, já neste século XXI e na última década, a ASAE, Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, numa saga persecutória em todo o país, num igualitarismo feroz de tratar tudo por igual na normatividade, e de completa falta de sensibilidade e bom-senso, arrasou o que restava.

Resultado final? Os dois estabelecimentos de congregação e de esteio convivial encerraram.

É certo que temos o melhor pavilhão multi-usos do concelho da Mealhada. Com uma área confortável para fazer desporto e com todos os meios para desenvolver a aldeia, a verdade é que os residentes, fechados no seu casulo, não respondem aos estímulos e não colaboram nas iniciativas. Nos últimos almoços de convívio familiar para ajudar a festa anual, eram mais as pessoas vindas das redondezas do que nativos.


E HOJE, DEPOIS DA GUERRA, O QUE É PRECISO FAZER?


É certo que estamos a viver os efeitos de uma pandemia como a nossa geração nunca viveu, mas o isolamento e distanciamento de pessoas em Barrô já se notava, e de que maneira, nos últimos anos. Temos um lugar habitável magnífico, de casas bem reconstruidas, com artérias bem limpas a fazerem inveja à cidade, onde, havendo uns mais remediados que outros, felizmente, não existem casos de miséria. No entanto, pasme-se, seja noite, seja dia, praticamente não se vislumbram pessoas a transitarem nas ruas.

Para tirar estes residentes de casa é preciso criar uma matriz que sirva de alavanca.

E qual é o modelo a seguir?


A RELIGIÃO É O ÓPIO DO POVO


Peguei na frase de Marx, que ficou para a posteridade na introdução à “Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”, de 1844, para ilustrar o meu pensamento.

Caminhando todos para o isolamento profilático devido ao vírus que nos consome os hábitos de aproximação, o corpo, a carteira e a alma, como escrevi em cima, esta separação, esta solidão que nos consome já vem de longe.

Ora é aqui, neste afastamento entre iguais, que a religião Católica Romana está falhar na re-ligação entre o homem e o seu semelhante. Há muito que, numa espécie de alfabetização espiritual, dando vida às pequenas capelas, através de celebração de missas e ensino de catequese, deveria ter começado pelos pequenos lugares perdidos no mapa deste Portugal esquecido.

Bem sabemos que os padres são insuficientes em número para pregar a palavra do Senhor em todos os lugares sagrados, mas este facto não explica tudo. Os presbíteros são operários da palavra e devem ser desligados da riqueza material. Como sabemos, todo o operário, seja ao serviço de um patrão, seja ao serviço de uma causa ou hierarquia, com o passar do tempo, num cómodo entreter, torna-se egoísta e perde o seu sentido de missão. E a incumbência do mensageiro da paz, insensível às críticas que vêm de fora – que aliás, não considera nem dialoga por classificar provirem de ateus ou inimigos da igreja - coadjuvado muitas vezes por beato(a)s que estão apenas ali para agradar ao senhor vigário, fica confinada à sede da paróquia.

E é aqui que a Diocese deveria intervir numa sensibilização maior aos seus membros evangelizadores para, concretamente, serem o motor principal de revitalização.

Voltando a Barrô, nestes tempos conturbados, de necessidade espiritual, não se compreende a razão de se manter a capela encerrada, praticamente, durante 362 dias – menos três das festas anuais.

Por que não se abre a capela ao Domingo, durante todo o dia?

Qual é a causa do padre nomeado para a paróquia de Luso, de tempos a tempos, não celebrar uma homilia no povoado? É preciso pagar a sua deslocação? Pois se é essa a motivação. Em nome de todos os residentes, faça-se a contra-prestação.



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