terça-feira, 27 de setembro de 2016

ENCERROU A RAF?





A RAF, uma loja/armazém de venda ao público de materiais de construção, louças sanitárias, móveis e artigos decorativos, com mais de meio-século de existência, situada na Rua da Sota, aparentemente, encerrou. Embora o espaço, de razoável área comercial, ainda se encontre ocupado com artigos em exposição, as portas permanecem fechadas. Segundo declarações de um vizinho, que pediu o anonimato, “já há um tempo que a gerência está a vender tudo ao desbarato, em liquidação. O senhor Júlio, o patrão, disse-me que ia encerrar de vez. Pelos vistos já o fez.”

UM RAMO QUE JÁ FOI

Consequência de, por um lado, a construção civil ter entrado em decadência por falta de crédito bancário, por outro, pela invasão de grandes superfícies como, por exemplo, o Merlin e, por outro lado ainda, pelo estacionamento onerado, estabelecimentos dedicados a ramos como estes, paulatinamente, foram desaparecendo da Baixa. Tudo o que for lojas de artigos decorativos novos, ferragens, electricidade e canalizações, ferramentas, mais que certo e mais tarde ou mais cedo por força das circunstâncias, todos desaparecerão do universo comercial da zona histórica.

E A DIVERSIDADE DA BAIXA?

Podemos interrogar: será que o desaparecimento de vários negócios comerciais e industriais da Baixa -o mesmo problema é transversal a outras cidades, vilas e aldeias- não poderiam ter sido evitados? A resposta, como se adivinha, é Não e Sim.
Não, porque as grandes superfícies comerciais, sobretudo pela sua organização de concentração de produtos a custo reduzidos, vieram revolucionar uma área, no alimentar, no vestuário e materiais, que, por falta de meios financeiros, foi sempre grande mas muito dispersa. Por outro lado, ao longo das últimas décadas, de facto, houve um embaratecimento brutal nos produtos em geral e, para o consumidor, democratizou o seu acesso -claro que não há proveito geral sem custo individual e colectivo. A hemorragia de produção barata de bens em larga escala fabricados em países em vias de desenvolvimento, do terceiro mundo, se levou ao seu localizado desenvolvimento exponencial, trouxe também a parcial destruição do tecido produtivo e distributivo das nações desenvolvidas. Com esta invasão aumentou desmesuradamente o desemprego, diminuindo os rendimentos das famílias. Cada vez mais se assiste ao desnorte de não se saber o que fazer profissionalmente e apostar no que calha com elevado risco para o endividamento pessoal.
Por outro lado, e aqui é o pior de tudo, esta “overdose” de coisas demasiado acessíveis no custo liquidou o impulso que move o comprador de acaso -é preciso não esquecer que um dos preceitos da lei do desejo do ter reside na dificuldade da sua obtenção. Quanto maior for a facilidade mais rápida será a saturação do seu uso.
Sim, a total erradicação de certos ramos de negócio deveria ter sido, pelo menos, tentado, mas a questão é como e por quem. A nível autárquico, se por um lado os edis no poder sempre estiveram concentrados na vinda de novos investimentos para captar eleitorado e mostrar que são muito dinâmicos -sem olhar ao extermínio de pequenos negócios como consequência dos licenciamentos e também porque, rara excepção, nunca tiveram uma visão de Estado, enquanto organização económica para servir todos e não alguns- por outro, para além da magistratura de influência que pudessem desenvolver entre as partes, nunca tiveram instrumentos legais para intervir devidamente. Em nome das obsessivas directivas comunitárias da concorrência e direito constitucional a liberdade de deslocalização, abertura ou encerramento há muito que passou a estar na vontade do investidor. Por outro lado, ainda, por negligência das autoridades, as obrigações selvagens e depravadas para pequenos investimentos familiares completou a razia.

MAS, AFINAL, O QUE É QUE FALTA AQUI?

Respondendo à pergunta sem pensar, diria: na diversidade comercial da Baixa, começa a faltar tudo. Seguindo a cultura do homem, os estabelecimentos comerciais são cada vez mais iguais e a vender as mesmas coisas -curiosamente no ramo hoteleiro já não é assim. Nos últimos tempos estão a surgir casas, muitas delas em sistema franchisado, que quebram a monotonia.
Já o escrevi, o pelouro da cultura deveria ter por obrigação, sempre que tenha conhecimento de um encerramento de um estabelecimento antigo, tratar de se informar sobre o desfecho de muitas décadas de história comercial na urbe. É bom recordar que estas antigas catedrais da arte de negociar também enriquecem o turismo de uma cidade. É claro que, já sei, sem ofensa para o leitor, estou a escrever para o boneco.

1 comentário:

luis barreiro disse...

Podia falar também de um aspecto bem mais importante, a criminalidade, tanto a fora de horas como a de portas abertas. Para quem como eu tem um negócio do gênero, esse é um dos factores mais importantes, quantas vezes a vontade é fechar pois a polícia (leis) não pode fazer nada.