(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)
A
história conta-se de uma penada na página do “Notícias –Saciadade de Hoje”, no Facebook. Ao que parece, citando, “No
passado dia 2 de Setembro, uma jovem cliente com paralisia cerebral
pediu auxilio ao filho do dono da Petisqueira do Brinca (Estrada de
Eiras, Coimbra), a fim de pôr a sua cadeira eléctrica à carga para
conseguir chegar a casa. O mesmo negou ajuda alegando que não tinha
fichas. Isto não passou ao lado de uma grande revolta por parte dos
clientes que permaneciam no local. Dois amigos da jovem ajudaram-na a
ir até ao Ventura Car onde não lhe foi negada ajuda. Entretanto no
meio de tanta revolta, uma rapariga, também cliente, decide chamar o
empregado à atenção dizendo que a cadeira eram as pernas da jovem
e que não custava nada dar um pouco de energia para que a mesma
conseguisse chegar a casa. Respondeu dizendo que pagava 400€ de
luz. No meio da discussão e ainda achando-se com razão, o empregado
agride fisicamente a rapariga, dando-lhe uma palmada na cara.”
Como
é óbvio, o post teve até agora 1584 partilhas, milhares de visitas
e largas dezenas de comentários a pôr a baixo o estabelecimento.
Desde o dono ser apelidado de parasita, gordo, otário, até
chamar o restaurante de espelunca, e o empregado de “animal
selvagem”, tudo é válido para
ofender.
Vale
a pena recitar alguns dos epítetos -que são passíveis de acção
judicial por difamação agravada a pessoa colectiva, já que se
trata de uma empresa: “era cagar-lhe à porta”,
“Há sempre um filho da puta que se arma em bom. Havia de
cair uma praga de baratas na loja que fosse obrigado a fechar.
Cabrao...”Esse filho da puta é que havia de estar na
cadeira pra ver a falta que uma coisa desta faz.”, “Deus queira
que um dia esse filho da puta não precise de ajuda!! “, “Triste
mas é a realidade da vida algumas pessoas valem 0 mas Deus é grande
e mais cedo ou mais tarde esse sr terá a recompensa do devino
espírito santo não tem coração esse sr é um animal .“
VAMOS
POR PARTES
Como
ressalva, pode até parecer que estou a tomar o lugar de advogado de
defesa dos autores, donos do café, e a desvalorizar a sua, alegada,
falta de ajuda a alguém que necessitou. Nada disso. Não conheço o
estabelecimento nem os gerentes.
O que gostaria de chamar a atenção é que, primeiro,
em face de um relato que parece ser credível, mesmo que nos indigne,
como juízes em causa própria, não podemos, de uma forma
aligeirada, saltar a condenar e a ofender os visados. Mesmo nos casos
em que tudo parece ser tão claro, como aqui, não se pode esquecer a
presunção de inocência e o não fazer justiça por mão
própria. Para julgar existem os tribunais. Mas até lá chegar há
um processo que culmina num julgamento em que as partes, ofendido e
indiciado, mostram os seus argumentos para alcançarem os seus fins.
Com esta tese quero dizer que, perante algo que ofenda
os bons costumes, devemos ficar impávidos e serenos e não meter
a foice em seara alheia? Não é isso. Devemos imiscuir-nos, sim.
Mas, metendo a opinião na massa, devemos fazê-lo de forma correcta,
abjurando o procedimento mas sem agredir verbalmente qualquer das
partes em confronto. Se insultarmos estamos a fugir ao caso em
concreto e a criar outro processo-crime análogo que pode dar muitas
chatices a quem proferir o ultraje.
Até pode parecer que estou para aqui armado em sabichão
moralista. Se parece, não é isso que pretendo. Ao dar-me ao
trabalho de escrever este rol, de certo modo, é para alertar os
frequentadores das redes sociais -e sobretudo os que invectivaram na
página referida. Erradamente, hoje, em nome de uma liberdade de
expressão que perdeu a alma, pensa-se que se pode escrever tudo o
que vem à cabeça. Tem-se a noção de que as redes sociais são,
por um lado, uma espécie de painel catártico, onde se pode lavar o
espírito, por outro, uma terra-de-ninguém, sem lei, sem moral nem
ética, que não está sujeita ao direito comum.
MAS,
AFINAL, HÁ HUMANIDADE OU COMEM TODOS?
Antes
de entrar no conceito de humanidade -que, pela falta, é o que está
em causa-, vou plasmar esta citação de Charles Chaplin:
“A humanidade não
se divide em heróis e tiranos. As suas paixões, boas e más,
foram-lhe dadas pela sociedade, não pela natureza.”
E agora, sim, vamos então
à sua definição: “Conjunto de toda raça humana;
comportamento ou natureza humana; qualidade de ser sensível ou
benévolo”.
Vamos começar na
qualidade de ser sensível ou benévolo. Se é uma qualidade,
quer dizer que é um
conceito categórico acessório e subjectivo que, embora venha de
dentro da alma do sujeito, não é obrigatório à luz da lei. Está
relaccionado com as percepções de cada indivíduo, na forma de ver
o mundo, a preto e branco ou em outras cores vivas; como a
experiência empírica foi vivenciada e ficou gravada na mente; a
cultura, no contacto social, no relacionamento inter-pares através
dos valores; a filosofia/versus religião, na frase lapidar “faz
aos outros o que queres que te façam a ti”.
Sabe-se que quanto mais o
sujeito for sensível e benevolente maior é a probabilidade de paz e
harmonia ao seu redor e, por isso mesmo, o recurso à lei para
dirimir conflitos será sempre ínfimo.
Uma grande parte das
nossas leis foram beber os princípios ao Direito Romano, no agir
como um bom pai de família, avisado, ponderado e persuasivo. Ser
justo perante o bom, cumpridor, e o mau, prevaricador, cidadão.
MAS O QUE TEM A ÁRVORE
A VER COM A FLORESTA?
É
curioso que as pessoas que mais reivindicam humanidade são
exactamente aquelas que, de uma forma brutal e sem pudor, espancam
verbalmente alguém que não foi. Neste seu jeito de humanidade
discutível -arremessada de atrás da cortina-, como turba sedenta de
sangue, por exemplo, não são tomados de benevolência para o
possível encerramento do restaurante; para a perda de empregos dos
funcionários. O que lhes interessa mesmo é a destruição pura e
simples de alguém que, aos seus olhos, até pode ter alguma razão
-e tem mesmo. Enquanto proprietário, que paga as suas contribuições,
impostos e custos de exercício, tem o direito -contrário a
obrigação- de decidir se deve ou não ceder electricidade a título
gratuito. Quantos seus clientes, diariamente, fazem o mesmo, isto é,
pedem para ligar os telemóveis à corrente do café? É um custo ou
não para o empregador?
Por outro lado ainda, o facto de a rapariga se locomover em cadeira de rodas, embora se deva
levar em conta a sua deficiência, não faz dela uma irresponsável,
sem obrigações. Quando ela saiu de casa não deveria ter visto a
carga da bateria?
O PERIGO DA
IRRESPONSABILIDADE ARREBANHADA DAS REDES SOCIAIS
Há
meia dúzia de anos, na Mealhada, alguém se apercebeu que o
restaurante “O Constantino” tinha, creio, nas traseiras do
edifício dois cães esquálídos. Em seguida, fotografou-os e
colocou as imagens no Facebook. O resultado desta “altruista”
acção em defesa dos animais foi o encerramento da popular casa de
leitão e a perda de cerca de uma dezena de postos de trabalho
directos e outros tantos indirectos. O que tinha a ver o estado dos
cães com o serviço prestado? Isto é humanidade?
Hoje a sociedade é
justicialista. Por trás da sua forma de agir está um profundo
revanchismo, um desejo desmesurado de vingança contra tudo e todos.
Desde que não lhe calhe próximo, está sempre pronta a condenar. É
uma sociedade prenhe de direitos. As obrigações são apenas para os
outros.
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