A
RAF, uma loja/armazém de venda ao público de materiais de
construção, louças sanitárias, móveis e artigos decorativos, com
mais de meio-século de existência, situada na Rua da Sota, aparentemente, encerrou. Embora o espaço, de razoável área comercial, ainda se
encontre ocupado com artigos em exposição, as portas permanecem
fechadas. Segundo declarações de um vizinho, que pediu o anonimato,
“já há um tempo que a gerência está a vender tudo ao
desbarato, em liquidação. O senhor Júlio, o patrão, disse-me que
ia encerrar de vez. Pelos vistos já o fez.”
UM RAMO QUE JÁ FOI
Consequência
de, por um lado, a construção civil ter entrado em decadência por
falta de crédito bancário, por outro, pela invasão de
grandes superfícies como, por exemplo, o Merlin e, por outro lado
ainda, pelo estacionamento onerado, estabelecimentos dedicados a
ramos como estes, paulatinamente, foram desaparecendo da Baixa. Tudo
o que for lojas de artigos decorativos novos, ferragens,
electricidade e canalizações, ferramentas, mais que certo e mais
tarde ou mais cedo por força das circunstâncias, todos
desaparecerão do universo comercial da zona histórica.
E
A DIVERSIDADE DA BAIXA?
Podemos
interrogar: será que o desaparecimento de vários negócios
comerciais e industriais da Baixa -o mesmo problema é transversal a
outras cidades, vilas e aldeias- não poderiam ter sido evitados? A
resposta, como se adivinha, é Não e Sim.
Não,
porque as grandes superfícies comerciais, sobretudo pela sua
organização de concentração de produtos a custo reduzidos, vieram
revolucionar uma área, no alimentar, no vestuário e materiais, que,
por falta de meios financeiros, foi sempre grande mas muito dispersa.
Por outro lado, ao longo das últimas décadas, de facto, houve um
embaratecimento brutal nos produtos em geral e, para o consumidor,
democratizou o seu acesso -claro que não há proveito geral sem
custo individual e colectivo. A hemorragia de produção barata de
bens em larga escala fabricados em países em vias de
desenvolvimento, do terceiro mundo, se levou ao seu localizado
desenvolvimento exponencial, trouxe também a parcial destruição do
tecido produtivo e distributivo das nações desenvolvidas. Com esta
invasão aumentou desmesuradamente o desemprego, diminuindo os
rendimentos das famílias. Cada vez mais se assiste ao desnorte de
não se saber o que fazer profissionalmente e apostar no que calha
com elevado risco para o endividamento pessoal.
Por outro lado, e aqui é
o pior de tudo, esta “overdose” de coisas demasiado
acessíveis no custo liquidou o impulso que move o comprador de acaso
-é preciso não esquecer que um dos preceitos da lei do desejo do
ter reside na dificuldade da sua obtenção. Quanto maior for a
facilidade mais rápida será a saturação do seu uso.
Sim, a total
erradicação de certos ramos de negócio deveria ter sido, pelo
menos, tentado, mas a questão é como e por quem. A nível
autárquico, se por um lado os edis no poder sempre estiveram
concentrados na vinda de novos investimentos para captar eleitorado e
mostrar que são muito dinâmicos -sem olhar ao extermínio de
pequenos negócios como consequência dos licenciamentos e também
porque, rara excepção, nunca tiveram uma visão de Estado, enquanto
organização económica para servir todos e não alguns- por outro,
para além da magistratura de influência que pudessem desenvolver
entre as partes, nunca tiveram instrumentos legais para intervir
devidamente. Em nome das obsessivas directivas comunitárias da
concorrência e direito constitucional a liberdade de deslocalização,
abertura ou encerramento há muito que passou a estar na vontade do
investidor. Por outro lado, ainda, por negligência das autoridades,
as obrigações selvagens e depravadas para pequenos investimentos
familiares completou a razia.
MAS, AFINAL, O QUE É
QUE FALTA AQUI?
Respondendo
à pergunta sem pensar, diria: na diversidade comercial da Baixa,
começa a faltar tudo. Seguindo a cultura do homem, os
estabelecimentos comerciais são cada vez mais iguais e a vender as
mesmas coisas -curiosamente no ramo hoteleiro já não é assim. Nos
últimos tempos estão a surgir casas, muitas delas em sistema
franchisado, que quebram a monotonia.
Já o escrevi, o pelouro
da cultura deveria ter por obrigação, sempre que tenha conhecimento
de um encerramento de um estabelecimento antigo, tratar de se
informar sobre o desfecho de muitas décadas de história comercial
na urbe. É bom recordar que estas antigas catedrais da arte de
negociar também enriquecem o turismo de uma cidade. É claro que, já
sei, sem ofensa para o leitor, estou a escrever para o boneco.
1 comentário:
Podia falar também de um aspecto bem mais importante, a criminalidade, tanto a fora de horas como a de portas abertas. Para quem como eu tem um negócio do gênero, esse é um dos factores mais importantes, quantas vezes a vontade é fechar pois a polícia (leis) não pode fazer nada.
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