ROSTOS NOSSOS (DES)CONHECIDOS: O TENOR
Tal como andorinha que do norte
de África regressa na primavera, o Geraldo Duarte Santos, de 52 anos de idade, volta
e meia, invade as ruas estreitas e, com o seu inconfundível vozeirão de tenor a
cantar canções do Quim Barreiros, enche a Baixa de um inconfundível calor
humano.
Tal como outros caminhantes na
cidade que percorrem esta vida em busca de coisa nenhuma, o Geraldes é uma
criança enorme, de sorriso doce, com corpo grande e mente pequena. Os seus
gestos são ternurentos e não faz mal a ninguém. Tem um discurso algo
monocórdico e nunca se sabe onde começa a ficção e acaba a realidade. Já
escrevi muito sobre ele no meu blogue. Encanta-me a sua forma de ser. Gosto
dele, e ele sabe isso. Quando regressa ao centro histórico vem sempre
visitar-me e cravar-me ora uma moeda ora uma flauta. Como passarinho abandonado
por todos, percorre estas praças e becos em busca de atenção e de um abraço
amigo –coisa complicada nestes tempos de individualismo, digo eu. Nasceu em
Macinhata do Vouga, ali para os lados de Águeda. “Já há muitos anos que ando aos caídos”, diz-me com a voz
entaramelada, mas sem dramas, como alguém que as pedras do chão, à força de
tanto ferir a alma, tornaram duro nas palavras mas aceitou o destino que lhe
calhou em sorte. Prossegue, “durmo num prédio velho, junto à Estação Velha. Sei ler e escrever, graças a Deus. A minha
mãe está em Macinhata. É muito pobre. Trabalhei nas quintas, estive em Espanha,
sempre na agricultura. Não recebo nada do Estado. São as pessoas que me ajudam,
graças a Deus, Nosso Senhor! Quando tenho fome vou ter com os muitos amigos que
tenho nos cafés e nos restaurantes e eles dão-me comer. Toda a gente gosta de
mim, graças a Deus! Não faço mal a ninguém. Ajudam-me. Gostam de me ver e ouvir
cantar. Adoro cantar. Sabe que estive com o Quim Barreiros na Queima? Ele
ouviu-me cantar… “Tiro o carro, meto o carro, à hora que eu quiser, na garagem
apertadinha da doçura da mulher..”. Canto bem, não canto?”
Sem comentários:
Enviar um comentário