Há cerca de dois meses foi realizada
a escritura pública da Associação de
Beneficência ao Comerciante de Coimbra (ABCC). Cerca das 9h00 do dia 18 de
Março, fui à secção das Finanças, na Loja do Cidadão, para liquidar a retenção
por conta relativo ao acto notarial. No caso, eram 51,70 euros. A funcionária
pública preencheu o impresso correspondente e digitalizou a importância no TPA,
Terminal de Pagamento Automático. Ou porque ainda estava ensonado, ou na razão
directa de ser um bocado lerdo, não verifiquei a importância subscrita e
cliquei no ok. Quando recebi o talão
da máquina, então sim olhei e o que vi? A verba de 206,81 euros. Ou seja, por
erro da funcionária e falta de atenção da minha parte, tinha-me sido retirada
aquela importância. Reclamei perante a senhora, que recalcitrou que eu deveria ter tomado atenção. Isto é, a culpa era
inteiramente minha. Como já estou habituado por outras coisas cá na minha vida,
que agora não conto, e apanhar com tudo em cima, nem achei anormal. Como estava
bem disposto, no meio de um sorriso, até respondi que como a minha conta estava
recheada, nem ligava ao que pagava –saberá lá o Criador as misérias que me
apoquentam, mas passemos à frente, que de
tesos não reza a história. A funcionária das Finanças imediatamente fez uma
devolução no TPA da mesma importância e eu, na paz dos anjos e fé em Deus,
segui a minha vida e nunca mais pensei no assunto.
Hoje, dia 24 de Maio, endereçada
à ABCC, recebi uma notificação, por citação postal, com o título “Identificação
da Dívida em Cobrança Coerciva”, no valor de 226,19 euros. Estranhei
porque a ABCC só agora constituiu a
sua lista, as eleições legitimantes serão na próxima quarta-feira, e, por esse
facto, ainda não foi possível iniciar a actividade, enquanto acto primeiro de
inscrição nos serviços fiscais. Fui à Loja do Cidadão para ser esclarecido. Lá,
não era possível, uma vez que não havia acesso ao documento da sua génese. Só
na 2ª Repartição de Finanças, na Avenida Fernão de Magalhães. E como pregador
em busca do Santo Graal, lá coloquei as alpercatas ao caminho. Ali, naquela
catedral de recolha de impostos onde todos ajoelham sem rezar e sem miar,
depois de muita dificuldade em aceder à origem da importância lá se conseguiu saber que um qualquer acto tinha dado origem à retenção por conta do valor de
226,19 euros, incluindo custas. Mas que acto foi esse? Perguntava eu à
funcionária, muito simpática, por acaso. Não
sabia, respondeu. O sistema não informava o que deu origem à tributação.
Entretanto os meus azeites começaram a ferver –o que não é preciso muito,
confesso com grande desgosto da minha pessoa. Veio o chefe, boa aparência,
simpático até onde se poderia ser, e tentou defender o indefensável: se ali estava escrito no sistema que havia
um pagamento era porque havia mesmo. Afirmava-me assim na minha cara de
palonço, que já é de família. E a teimosia continuava. Eu afirmava-me inocente
e o chefe reincidia na defesa da máquina. E, passando assim mais de uma hora,
nem eu ia almoçar, nem ele, nem a sua subalterna. E o clima estava tenso. Até
que me lembrei do engano da funcionária na Loja do Cidadão. Por sorte, às vezes,
na minha religiosa distracção, tenho mesmo sorte. Então não é que tinha guardado
o talão? E lá se resolveu o pleito que em tudo me parecia um processo de Kafka.
Apesar da minha falta de jeito para tratar com estas máquinas que nos hão-de
destruir a todos, acabei em bem com a funcionária, que perante as minhas graçolas
–às vezes consigo rir quando me apetece chorar- que até ganhou uma nova cor nas
faces do rosto cansado. O chefe, também fatigado, agastado e desmotivado com todas estas ondas de choque entre a Administração e o contribuinte, presumo, perante a
minha inegável razão, veio pedir desculpa. Gostei dele pela forma simples como
se retratou. Creio que fiz um amigo.
Mas, depois de tudo acabar em
bem, só uma pergunta se me alavanca na cabeça: e se eu não tivesse o talão da
devolução da máquina do TPA?
Para onde caminhamos? Ninguém
sabe, mas uma constatação persiste: com este sistema, em que os contribuintes
passaram a ser extensões e escravos das máquinas, não vamos longe. Vamos todos
ser triturados. Os funcionários, como este chefe que acabei a admirar, vão ser
todos lançados no desemprego. Por sua vez, o cidadão ficará cada vez mais à
mercê dos computadores e não terá qualquer defesa. Será que ninguém vê isso?
Sem comentários:
Enviar um comentário