Na quarta-feira passada
iniciou-se uma nova caminhada no Rancho das Tricanas de Coimbra. Sob a regência
competente e acutilante de Manuel Manascino, realizou-se o primeiro ensaio do
rancho de folclore. Com um leque alargado de músicos de cordas, o que é de
estranhar nos tempos que correm, o ritmo estava afinado. Nas danças, como já é
hábito, havia poucos pares, sobretudo homens. Seriam uns seis elementos
femininos e apenas dois masculinos. Com a paciente pachorra do Manascino os
pares lá aprenderam os primeiros passos.
Para surpresa de José Luís
Montenegro, o presidente desta agremiação popular, ontem, passada uma semana,
dos que dançaram no último encontro, só apareceram três ou quatro. Porém, havia
lá novos rostos de moradores que residem em volta do velho salão. Em face
daquela deserção não anunciada, o Manascino, em frases repetidas de ira
incontida, como se, em metáfora, deitasse fumo pelas narinas, exclamava: “isto
assim não pode ser! Venho eu de Alfarelos para nada?!”. O Montenegro, de
cabelos completamente brancos, pelo choque adivinhava-se ganhar uns negros,
desabafava: “mas o que é que se passa? Na última quarta-feira pareciam todos
tão entusiasmados?!?”. O que teria acontecido?
Como Sherlock e Watson, foi-se
investigar. Após falar com um e outro novos integrantes, chegou-se à conclusão
que os anteriores não foram porque, por causa de tricas recalcadas, não iam à bola com os recém-entrados. Depois
de intensas negociações inter pares
lá se conseguiu resolver o problema e passada uma hora já tínhamos novamente os
pares na roda. Como havia muitos músicos e poucos homens para fazer parelha nas
danças, o Quintans –é um tipo que, para mal dos meus pecados, também não gramo nem com molho de tomate Ketchup, e
que teima em me acompanhar todos os dias- trocou a viola por uma linda mulher.
Há pessoas com sorte, carago!
Foi interessante sentir aquele
ambiente de gente simples. Interessante é pouco! Foi espectacular ver ali mulheres
gordinhas e outras já de rugas sem complexos de elegância. Foi bom participar
naquela festa de operários que sentem ali o pulsar dos velhos bairros antigos,
de pátio florido, na cidade velha. Para mim, que estou habituado a ninguém
olhar para ninguém, até aquela rivalidade entre vizinhos foi salutar. Era bom
que a Câmara Municipal de Coimbra olhasse para estas colectividades como motor
de uma revitalização que se procura restabelecer novamente nos bairros antigos.
É claro que estou a escrever para o boneco
–com sua licença, leitor, que não tem culpa disso. É evidente que ninguém
quer saber de nada do que ali se passa. Especulando, do alto do seu imaginário
pedestal, olham para estes velhos clubes como se olha para um baú cheio de
papéis velhos e teias de aranha. Para eles, esta revivificação é algo
detestável, revivalista, que passou de moda e não interessa nem ao Menino Jesus.
Talvez se entenda, cada vez mais,
a razão de a cultura popular, andar pelas ruas da amargura. Por outro lado, uma
grande lição para os que tanto criticaram o anterior vereador do pelouro da
cultura da autarquia conimbricense, Mário Nunes, que tanta “sarrafada” levou dos críticos. A meu
ver, injustamente. Escrevi isso mesmo na altura. Curiosamente, nos dias que
correm ninguém reclama. Porquê? Eu sei mas não digo!
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