quinta-feira, 16 de maio de 2013

O LADO OCULTO DO BAIRRO



 Na quarta-feira passada iniciou-se uma nova caminhada no Rancho das Tricanas de Coimbra. Sob a regência competente e acutilante de Manuel Manascino, realizou-se o primeiro ensaio do rancho de folclore. Com um leque alargado de músicos de cordas, o que é de estranhar nos tempos que correm, o ritmo estava afinado. Nas danças, como já é hábito, havia poucos pares, sobretudo homens. Seriam uns seis elementos femininos e apenas dois masculinos. Com a paciente pachorra do Manascino os pares lá aprenderam os primeiros passos.
Para surpresa de José Luís Montenegro, o presidente desta agremiação popular, ontem, passada uma semana, dos que dançaram no último encontro, só apareceram três ou quatro. Porém, havia lá novos rostos de moradores que residem em volta do velho salão. Em face daquela deserção não anunciada, o Manascino, em frases repetidas de ira incontida, como se, em metáfora, deitasse fumo pelas narinas, exclamava: “isto assim não pode ser! Venho eu de Alfarelos para nada?!”. O Montenegro, de cabelos completamente brancos, pelo choque adivinhava-se ganhar uns negros, desabafava: “mas o que é que se passa? Na última quarta-feira pareciam todos tão entusiasmados?!?”. O que teria acontecido?
Como Sherlock e Watson, foi-se investigar. Após falar com um e outro novos integrantes, chegou-se à conclusão que os anteriores não foram porque, por causa de tricas recalcadas, não iam à bola com os recém-entrados. Depois de intensas negociações inter pares lá se conseguiu resolver o problema e passada uma hora já tínhamos novamente os pares na roda. Como havia muitos músicos e poucos homens para fazer parelha nas danças, o Quintans –é um tipo que, para mal dos meus pecados, também não gramo nem com molho de tomate Ketchup, e que teima em me acompanhar todos os dias- trocou a viola por uma linda mulher. Há pessoas com sorte, carago!
Foi interessante sentir aquele ambiente de gente simples. Interessante é pouco! Foi espectacular ver ali mulheres gordinhas e outras já de rugas sem complexos de elegância. Foi bom participar naquela festa de operários que sentem ali o pulsar dos velhos bairros antigos, de pátio florido, na cidade velha. Para mim, que estou habituado a ninguém olhar para ninguém, até aquela rivalidade entre vizinhos foi salutar. Era bom que a Câmara Municipal de Coimbra olhasse para estas colectividades como motor de uma revitalização que se procura restabelecer novamente nos bairros antigos. É claro que estou a escrever para o boneco –com sua licença, leitor, que não tem culpa disso. É evidente que ninguém quer saber de nada do que ali se passa. Especulando, do alto do seu imaginário pedestal, olham para estes velhos clubes como se olha para um baú cheio de papéis velhos e teias de aranha. Para eles, esta revivificação é algo detestável, revivalista, que passou de moda e não interessa nem ao Menino Jesus.
Talvez se entenda, cada vez mais, a razão de a cultura popular, andar pelas ruas da amargura. Por outro lado, uma grande lição para os que tanto criticaram o anterior vereador do pelouro da cultura da autarquia conimbricense, Mário Nunes, que tanta “sarrafada” levou dos críticos. A meu ver, injustamente. Escrevi isso mesmo na altura. Curiosamente, nos dias que correm ninguém reclama. Porquê? Eu sei mas não digo!


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