quinta-feira, 16 de maio de 2013

LEIA O DESPERTAR...


LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA 

Para além  do texto "UMA ENTREVISTA, POR ACASO", deixo também as crónicas "DE RASGAR O CORAÇÃO";  "UM JANTAR PELOS COMERCIANTES"; "RANCHO DE COIMBRA A TODO O VAPOR"; e "REFLEXÂO: COINCIDÊNCIA"



UMA ENTREVISTA, POR ACASO

 Quando o vemos a percorrer as pedras da calçada nas ruas estreitas em passo ligeiro, se não o conhecermos, pelo porte atlético e espírito de gentleman, pela garbosidade, alma cheia e autoestima no máximo, imaginamos estar na presença de um juiz jubilado, ou, no mínimo, perante um Charlton Heston incarnado, saído dos anos de ouro do cinema de Hollywood. De pele bem cuidada, e sempre vestido com gosto, de fato e gravata, barba bem aparada, cabelo prateado e bem penteado, ninguém diz que, por um lado, o José Luís Montenegro é alfaiate de profissão e, por outro, que tem 74 anos de idade. Em silogismo, tendo em conta o seu labor profissional, poderemos ser levados a especular que, no extenso rol de clientela, terá Deus como freguês e Este, pela compensação, subtrai-lhe umas primaveras e trata-lhe do aspeto. Por acaso, sempre por acaso, cruzei-me com o Montenegro, ali na Rua do Almoxarife, junto à sua alfaiataria. Como todos os profissionais do corte, sabe ser incisivo e certeiro. Vamos ouvir o que tem para nos dizer:


Estive 32 anos com oficina em Santa Clara, na Avenida João das Regras. Há 14 anos, como guerreiro que retorna sempre à sua origem, deu-me uma saudade danada e vim para Baixa. Sou salatina, nasci na Rua do Cabido, na Alta, e por aqui, pela zona histórica, cresci e me fiz homem. Atualmente, tenho o meu atelier na artéria mais emblemática desta zona velha: a Rua do Almoxarife. Toda gente fala de crise. Graças a Deus não sei o que é a crise! Nem tenho tempo para me coçar. Desde há 60 anos que laboro todos os dias, incluindo sábados e domingos, sempre que necessário. A minha freguesia é constituída por professores, juízes, médicos e empresários bem-sucedidos. Embora sempre trabalhasse com todas as extirpes sociais, mas a classe média morreu. Apesar de ainda fazer alguma obra para este grupo social, e mesmo até para agrupamentos de folclore. Tenho sempre trabalho. Também é verdade que na cidade, salvo erro, só existem três alfaiates. Tenho muita pena, sabe? É uma profissão em vias de extinção. Eu gostava de ensinar miúdos, mas ninguém quer. Deviam colocar a arte de alfaiataria no Centro de Formação. Se preciso fosse, iria pra lá ensinar de bom grado. Dá-me uma dor no coração sentir que a minha profissão, desaparecendo os existentes, vai acabar sem glória. Você não acha estranho, neste tempo de falta de emprego, que ninguém se interesse? Quem manda nos nossos destinos deveria abrir uma escola nesta área enquanto é tempo e há alguns mestres que podem ensinar. Poucos querem trabalhar, este, verdadeiramente, é o problema do nosso definhamento. A decadência da Baixa também passa por aí, pela falta de esforço de quem aqui ganha a vida. Os comerciantes deveriam abrir mais cedo e encerrar mais tarde. Nem patrões nem empregados querem ir além do mínimo. Uma pessoa vai para Viseu e Aveiro e lá estão todos os comércios abertos. Aqui não. Já fomos a terceira cidade do país. Agora, definitivamente, fomos ultrapassados e estaremos aí em décimo lugar no ranking nacional. A recuperação desta zona de antanho passa inevitavelmente pelo trabalho. Se todos não se esforçarem mais não haverá hipótese nenhuma. Não vejo futuro para isto. A Baixa morreu muito devido à falta de transportes públicos nas ruas largas. Os meus clientes estão sempre a falar disso. A continuar como está, se não fizerem nada, em poucos anos fecha tudo. A partir das 19h00 esta área desertificada passa a ser um cemitério. Nunca vi a Baixa assim –abana a cabeça e engelha a fronte em manifestação sentida. A Câmara Municipal deveria participar mais nesta recuperação. Iniciativas como a Feira do Livro e do Artesanato deveriam ser realizadas aqui e não no Parque Verde. A autarquia é pouco bairrista. Está aqui implantada mas gosta pouco da Baixa.
Com uma nova direção, de que sou o presidente, estamos a tentar ressuscitar das cinzas o velhinho Rancho das Tricanas de Coimbra. Já estamos a ensaiar o rancho folclórico para o trazer para as ruas. Lamento muito que, aquando da tomada de posse, tivesse convidado todas as forças vivas da cidade e somente os presidentes de junta, de São Bartolomeu e Santa Cruz, tivessem respondido à chamada. Se não ligam patavina a estas coletividades, que desde há um século foram sempre o embrião na movida destas zonas residenciais e comerciais, querem o quê?"


DE RASGAR O CORAÇÃO

 Na velha loja de velharias, implantada na cidade há quase duas décadas, perdida nos encontros da história e nos cruzamentos da vida, os objetos expostos no estabelecimento tremem de dor perante os continuados apelos ouvidos e saídos da boca de gente que merecia mais consideração e respeito: “por favor, senhor, compre-me esta boneca. É da minha neta! Mas o que hei-de fazer? Ela está desempregada! A minha reforma é de duzentos e poucos euros. Nem dinheiro tenho para a farmácia –lá, já não me fiam. Estou a passar fome, senhor. Acredite!”
No canto, um velho Gramofhone, invenção de 1887 do alemão Emil Berliner, que nos anos loucos de 1920 alegrou e engrandeceu uma qualquer grande casa senhorial, em face da verborreia de lengalenga da senhora idosa, parece contrair-se em sofrimento, como se, em especulação, comparasse o seu tempo de abastança com este início de século prenhe de quadros de miséria humana. Ao lado, um velho relógio de torre, em lembrança de Trindades ouvidas num campo lavrado à força de um homem suado e uma parelha de bois, toca a reboque para reunir outros congéneres. Mas o seu chamamento não surtiu efeito. A maioria dos contadores deste tempo que não deixa recordação, tal como os humanos, estão adormecidos, sem corda, sem força anímica, para poder entabular reação.
Um passo à frente, e no mesmo ambiente secular, um busto em terracota, certamente um reivindicativo republicano do final da Monarquia, austero, de bigodes retorcidos e olhos pregados na cena, parece pensar se teria valido a pena a mudança de sistema e augura condenar esta política hodierna que manda para o charco a tão apregoada dignidade da pessoa humana. Sem falar e apenas pela imagem do semblante duro, sugere que o que está acontecer é uma tragédia social de consequências terríveis e incomensuráveis e não pode continuar. É demasiado atroz para se poder passar ao lado. Como a dar-lhe razão, o cuco de um relógio com o mesmo nome, um Junghans fabricado na Alemanha, solta seis ais, gemidos e chorados, como se estivesse solidário com a causa republicana nacional. Na mesma parede, ao lado, uma máquina portuguesa, da velhinha Boa Reguladora, praticamente engolida na destrutiva onda da globalização, quem sabe por desprezo, nem se dignou responder ao símbolo da indústria alemã.
Em frente, numa mesa, tosca e carcomida pela memória e talvez fruto de um desaparecido marceneiro que pela noite dentro ganhava a vida em suprimento familiar, umas dezenas de pratos da Fábrica de Sacavém jazem inertes como esqueletos de engenho e arte que, dando trabalho a milhares de pessoas até aos idos anos de 1980, foi engolida nos fumos revolucionários da Abrilada. Numa prateleira, uns quantos rádios a válvulas, embora mudos mas prontos a debitarem música e notícias a qualquer momento, do seu olho-mágico avaliam todo o cenário envolvente com apatia e misericórdia. Em frente, uns alfarrábios empoeirados, que conservam na lapela as impressões digitais de várias gerações, sugerindo em analogia um lago de águas paradas e sem vida, parecem questionar: o que é isto? Para onde caminhamos?


UM JANTAR PELOS COMERCIANTES

 Na próxima quarta-feira, dia 22 de Maio, pelas 20h00, a Comissão Instaladora da recém-criada Associação de Beneficência ao Comerciante de Coimbra (ABCC), constituída por Luís Quintans, Armindo Gaspar, Francisco Veiga, António Pereira, João Braga, Arménio Pratas e Henrique Ramalhete, vai levar a efeito um jantar no Restaurante Jardim da Manga. O custo do repasto será de 9 euros. Para além de se pretender um encontro profícuo entre profissionais, a intenção maior é tentar organizar uma ou várias listas concorrentes à eleição dos corpos-gerentes que se realizará passada uma semana, no dia 29, entre as 9 e as 19h00, na sua sede provisória, no Largo da Freiria, número 4, primeiro andar. Conforme a Publicação de Acto Societário através do Instituto dos Registos e do Notariado, a apresentação pública de listas a sufrágio decorrerá entre o dia 23 e as 19h00 do dia 28 de Maio.
Através deste meio, a Comissão Instaladora apela a todos os profissionais que façam um esforço para comparecerem. Num tempo de individualismo crescente, onde a miséria cava fundo e os dramas estão ao virar da esquina, é preciso dar um pouco de nós para o bem comum. Interroga a comissão: “podemos contar consigo?”.


RANCHO DE COIMBRA A TODO O VAPOR

 Na semana passada, na quarta-feira, sob a batuta do maestro Manuel Manascina, realizou-se no Rancho das Tricanas de Coimbra, o primeiro ensaio do renascido rancho. Com as cantadeiras Celeste Dourado, Almerinda Querido, Fátima do Salvado e os instrumentistas José Malva, no acordeão, José Alberto, no cavaquinho, o Oliveira, no bandolim, o Jaime, o Vilas e o Quintans, nas violas. As imensas fotos de presidentes já desaparecidos até pareciam dançar nas paredes deste velho salão. Com um grupo de dançarinos de excelência, onde consta, entre outros, a Ana Cristina, a Susana, o Armando e o Hugo esta velha catedral do ócio até saltava de contentamento. Quem não disfarçava, em sorriso de orelha a orelha, a alegria sentida de ver que, pelo menos até agora, sem qualquer ajuda, se está a iniciar uma boa obra, era o José Luís Montenegro, o presidente da nova gerência que há pouco tomou posse.



REFLEXÃO: COINCIDÊNCIAS

 Quem faz o favor de ler esta página verifica que na rubrica “Uma entrevista, por acaso”, realizadas a pessoas anónimas com a sua vida imbricada na cidade, entre os entrevistados, há pontos comuns quase parecendo passados a papel químico. Podemos ler que, entre outros, defendem a passagem dos transportes coletivos no canal, uma nova metodologia, para o estacionamento de rua, uma discriminação positiva da autarquia para os comerciantes. Perante esta semelhança de opiniões, uma interrogação se depreende: quem está errado? Eles, que aqui labutam e conhecem a terra que pisam, ou a Câmara Municipal de Coimbra que, nadando contra a corrente e não ouvindo os cidadãos, continua a impor o seu modelo?


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