LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA
Para além da coluna "Memória: A Casa Bonjardim", deixo também um texto de reflexão e a "Última Leiteira do dia"
REFLEXÃO: A (I)RRESPONSABILIDADE DA MAIORIA
A semana passada, tal como em anos anteriores, realizou-se na Baixa o “Pedi-tascas” 2012 –um ritual de iniciação dos caloiros da Universidade de Coimbra, em que, num roteiro previamente estabelecido pelos veteranos, os jovens percorrem as tascas ingerindo vinho a rodos. Supervisionados pelos alunos mais velhos, ganha mais pontos quem mais conseguir afogar em cântaras a irresponsabilidade de todos. Escusado será dizer que a meio da tarde, em algumas ruas e praças, era um cenário tétrico-cómico dividido entre a tristeza e a apatia dos transeuntes. Perante aqueles “bonecos” tocados pela inércia do cai não cai, e a atapetar o chão sulcado de vomitado avermelhado, na rua, as pessoas paravam, olhavam, abanavam a cabeça em sinal de reprovação, e, como se aquilo não lhes dissesse respeito, continuavam em direcção às suas vidas de preocupação. Provavelmente, muitos destes mirones, depois desta imagem visionada, em roda de amigos, exclamariam que esta juventude, não presta e, se calhar, em complemento, alguns até diriam que no seu tempo esta cena nunca se passaria. Não seria permitida.
Ninguém se lembra que nós mais velhos temos uma quota-parte de responsabilidade nestas acções. A sociedade hodierna, num conluio de apatia, progressivamente, foi perdendo o seu obrigatório e legítimo poder de intervenção. Em nome de uma falsa educação, ao escusar-se a censurar com palavras e gestos os mais novos, está a incentivar a contravenção. Enquanto os pais recuam, os filhos avançam até ao infinito do despautério. Até onde nos irá conduzir esta indolência? Não sabemos, mas dá para ver que os resultados não são brilhantes. Haja coragem para dar um “ralhete” no autocarro quando um filho do vento destes nos faltar ao respeito.
A ÚLTIMA LEITEIRA DO DIA
Quem passa na Rua Martins de Carvalho, mesmo sem o querer, dá de frente com a dona Elvira Magalhães. A senhora Elvira, com 70 anos, é, provavelmente, a última vendedeira de “leite do dia” existente na cidade. Com a invasão do leite pasteurizado, que não necessita de ser fervido e se conserva durante meses, o antigo e tradicional, progressivamente, foi deixando de ter procura. Mas ainda tem alguma, diz-me. “O “leite do dia”, de saco plástico, tem muito mais qualidade do que o de pacote em cartão. Não tem conservantes e é muito mais rico em proteínas. A procura foi decrescendo porque as pessoas, hoje, trocam a qualidade pela facilidade. Essa é verdadeiramente a razão. Até há cerca de 15 anos vendia aqui, diariamente, à volta de 1000 litros. Cheguei a fornecer os Supermercados Colmeia, ali na Rua Visconde da Luz, o Mendes & Companhia, a grande mercearia que, durante décadas, existiu na Rua do Corvo. Hoje vendo entre 50 e 60 litros”, enfatiza a vendedeira do líquido produzido pelas glândulas mamárias das fêmeas dos mamíferos.
A senhora Elvira vende ali há 54 anos. Naquela entrada de porta, na antiga Rua das Figueirinhas, começou menina, se fez mulher, esposa, mãe e ali envelheceu. “Sabe, não consigo largar isto. É um vício que me corrói. Acredite, já nem é pelo que isto dá –que é muito pouco-, é o hábito. Preciso desta rotina. Se estivesse em casa dava em “maluquinha”, pode ter a certeza. Enquanto puder movimentar-me aqui estarei, mesmo que me considerem uma peça de museu.”
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