(FOTO DE LEONARDO BRAGA PINHEIRO)
Nunca aqui falei disto. E se vou escrever é porque entendo que, do ponto de vista social, como caso de estudo, tem a sua importância. Escrevo há cerca de 30 anos para os jornais da cidade. Sempre assinei Luís Fernandes. E é mesmo o meu nome. Simplesmente, tenho também outra denominação própria e outro apelido que é extremamente invulgar. Desde sempre escolhi o Fernandes por ser mais difícil de conotar com alguém.
Ao longo das três décadas, na zona onde estive inserido na cidade, as pessoas iam sabendo que era eu que escrevia e iam-me pedindo para rabiscar isto, aquilo e aquele outro. Sempre atendi as solicitações de toda a gente. Entendo que se a natureza (ou Deus para quem acreditar) nos contemplou com um talento, não tenho dúvida, de que o devemos empregar em benefício do próximo. É lógico que também para a nossa vida faz muito jeito e nos servimos desta faculdade.
Mas actualmente começa a ser demais. Como a maioria de comerciantes, aqui à minha volta, sabe que escrevo textos acutilantes, qualquer assunto, às vezes de “ lana caprina “, ou até que deveriam ser os próprios a assumir, lá vem eles ter comigo como se estivessem a fazer uma peregrinação a Fátima. Não é que não aprecie este papel. Primeiro porque gosto mesmo de ajudar e segundo, por estranho que pareça, esta pretensão alimenta o meu ego. É melhor os outros precisarem de nós do que o contrário e tais requerimentos constituem uma prova de reconhecimento de que presto para alguma coisa, ou, pelo menos, de alguma consideração.
Há dias entrou-me pela porta dentro um senhor de sessenta e poucos anos que eu não conhecia. De cara angustiada, começando por me dar os bons dias, interrogou: “o senhor é o Luís Fernandes? Vinha pedir-lhe um grande favor. Ajude-me (vi os seus olhos começarem a ficar inundados)! Sou o dono desta firma –mostrou-me o cabeçalho de um monte de facturas onde estava o logótipo da empresa-, está ver estas vendas a dinheiro? Estão aqui cerca de 30 mil euros de dívidas de todo o ano de 2009. Os devedores são as autarquias de Coimbra, Figueira da Foz, Figueiró dos Vinhos, Sertã e outras. Não pagam o que me devem. Tenho quase uma dezena de funcionários e não sei como arranjar dinheiro para os ordenados deste Dezembro. Será que o senhor poderia escrever uma carta para o jornal para alertar estas câmaras para a miséria que estão a provocar? É que eu não o posso fazer. Se der publicidade ao meu crédito ainda é pior: para além de me atrasarem ainda mais o pagamento, deixarão de me comprar e eu, apesar deste desrespeito inqualificável, preciso deles. Senão o que vai ser dos meus funcionários? Mas, peço-lhe por tudo, não refira nem o meu nome, nem o da firma. Faz-me isso? Olhe, desculpe, é o desespero que me move”. Claro que disse que sim. Um dia destes lá terei de escrever a carta.
Hoje, já três comerciantes vieram ter comigo por causa dos prejuízos que estão a sentir devido à greve dos motoristas dos SMTUC. Um deles, a ver se eu podia escrever sobre as falências eminentes que todos estamos a sentir; outro, para ver se eu podia dar uma ideia do que se há-de fazer acerca deste rombo financeiro, devido à greve e também à suspensão dos comboios até à Estação-Nova (agora as ligações estão a ser feitas indirectamente). Para além disso, prevê-se, a partir de Junho deixa de haver tráfego ferroviário totalmente entre as duas estações. “O que vai ser de nós?”-exclamava ele em apelo. “Tenho 10 empregados, como consigo manter as lojas sem clientes? Numa delas já não me está a dar para a despesa. Vou ter de despedir pessoal. Ninguém se importa connosco. Continuam a abrir grandes superfícies. Está aí o “El Corte Inglês”, provavelmente virá o IKEA, vai outra para o lugar da Makro…e ninguém se importa connosco. O que vai ser de nós?”, lamenta-se o meu colega. Infelizmente não tenho soluções. Lá lhe vou dizendo que vou tentar sensibilizar o presidente do sector Comercial da ACIC.
Outro, também meu amigo, completamente nervoso, apela: “ó pá! Temos de fazer um abaixo-assinado de todos os comerciantes, para entregar ao ministro da tutela, a manifestar o nosso descontentamento, esta angústia que sentimos, e os prejuízos que estamos a ter. Temos de fazer alguma coisa. Já tenho aqui um rascunho, faz isso aí!”. Foi a custo que lhe expliquei que tal esforço será em vão. A greve é legal. Cumpriu todos os pré-avisos e requisitos que a lei impõe. Nada se pode fazer a não ser esperar por melhores dias.
Enfim, escrevi este texto quase como um desabafo. Se por um lado entendo o desespero de todos (eu também o sinto), por outro, às vezes sinto-me cansado. Um dia destes também faço greve às solicitações…
Nunca aqui falei disto. E se vou escrever é porque entendo que, do ponto de vista social, como caso de estudo, tem a sua importância. Escrevo há cerca de 30 anos para os jornais da cidade. Sempre assinei Luís Fernandes. E é mesmo o meu nome. Simplesmente, tenho também outra denominação própria e outro apelido que é extremamente invulgar. Desde sempre escolhi o Fernandes por ser mais difícil de conotar com alguém.
Ao longo das três décadas, na zona onde estive inserido na cidade, as pessoas iam sabendo que era eu que escrevia e iam-me pedindo para rabiscar isto, aquilo e aquele outro. Sempre atendi as solicitações de toda a gente. Entendo que se a natureza (ou Deus para quem acreditar) nos contemplou com um talento, não tenho dúvida, de que o devemos empregar em benefício do próximo. É lógico que também para a nossa vida faz muito jeito e nos servimos desta faculdade.
Mas actualmente começa a ser demais. Como a maioria de comerciantes, aqui à minha volta, sabe que escrevo textos acutilantes, qualquer assunto, às vezes de “ lana caprina “, ou até que deveriam ser os próprios a assumir, lá vem eles ter comigo como se estivessem a fazer uma peregrinação a Fátima. Não é que não aprecie este papel. Primeiro porque gosto mesmo de ajudar e segundo, por estranho que pareça, esta pretensão alimenta o meu ego. É melhor os outros precisarem de nós do que o contrário e tais requerimentos constituem uma prova de reconhecimento de que presto para alguma coisa, ou, pelo menos, de alguma consideração.
Há dias entrou-me pela porta dentro um senhor de sessenta e poucos anos que eu não conhecia. De cara angustiada, começando por me dar os bons dias, interrogou: “o senhor é o Luís Fernandes? Vinha pedir-lhe um grande favor. Ajude-me (vi os seus olhos começarem a ficar inundados)! Sou o dono desta firma –mostrou-me o cabeçalho de um monte de facturas onde estava o logótipo da empresa-, está ver estas vendas a dinheiro? Estão aqui cerca de 30 mil euros de dívidas de todo o ano de 2009. Os devedores são as autarquias de Coimbra, Figueira da Foz, Figueiró dos Vinhos, Sertã e outras. Não pagam o que me devem. Tenho quase uma dezena de funcionários e não sei como arranjar dinheiro para os ordenados deste Dezembro. Será que o senhor poderia escrever uma carta para o jornal para alertar estas câmaras para a miséria que estão a provocar? É que eu não o posso fazer. Se der publicidade ao meu crédito ainda é pior: para além de me atrasarem ainda mais o pagamento, deixarão de me comprar e eu, apesar deste desrespeito inqualificável, preciso deles. Senão o que vai ser dos meus funcionários? Mas, peço-lhe por tudo, não refira nem o meu nome, nem o da firma. Faz-me isso? Olhe, desculpe, é o desespero que me move”. Claro que disse que sim. Um dia destes lá terei de escrever a carta.
Hoje, já três comerciantes vieram ter comigo por causa dos prejuízos que estão a sentir devido à greve dos motoristas dos SMTUC. Um deles, a ver se eu podia escrever sobre as falências eminentes que todos estamos a sentir; outro, para ver se eu podia dar uma ideia do que se há-de fazer acerca deste rombo financeiro, devido à greve e também à suspensão dos comboios até à Estação-Nova (agora as ligações estão a ser feitas indirectamente). Para além disso, prevê-se, a partir de Junho deixa de haver tráfego ferroviário totalmente entre as duas estações. “O que vai ser de nós?”-exclamava ele em apelo. “Tenho 10 empregados, como consigo manter as lojas sem clientes? Numa delas já não me está a dar para a despesa. Vou ter de despedir pessoal. Ninguém se importa connosco. Continuam a abrir grandes superfícies. Está aí o “El Corte Inglês”, provavelmente virá o IKEA, vai outra para o lugar da Makro…e ninguém se importa connosco. O que vai ser de nós?”, lamenta-se o meu colega. Infelizmente não tenho soluções. Lá lhe vou dizendo que vou tentar sensibilizar o presidente do sector Comercial da ACIC.
Outro, também meu amigo, completamente nervoso, apela: “ó pá! Temos de fazer um abaixo-assinado de todos os comerciantes, para entregar ao ministro da tutela, a manifestar o nosso descontentamento, esta angústia que sentimos, e os prejuízos que estamos a ter. Temos de fazer alguma coisa. Já tenho aqui um rascunho, faz isso aí!”. Foi a custo que lhe expliquei que tal esforço será em vão. A greve é legal. Cumpriu todos os pré-avisos e requisitos que a lei impõe. Nada se pode fazer a não ser esperar por melhores dias.
Enfim, escrevi este texto quase como um desabafo. Se por um lado entendo o desespero de todos (eu também o sinto), por outro, às vezes sinto-me cansado. Um dia destes também faço greve às solicitações…
3 comentários:
Caro amigo Luis, o que faz em prol da ajuda ao próximo a todos os niveis( comercial,campanha eleitoral, do cidadão anónimo, dos desfavorecidos, sem-abrigo entre outros, é de louvar e mereçe um reconhecimento publico.Acredite que dá um enorme contributo para ajudar a melhorar a qualidade de vida de todos.Não desista e pode contar com a minha colaboração para tudo que esteja ao meu alcançe,já se torna um bom hábito a minha passagem pelo seu estabelecimento para unn minutitos de concersa ou um simples bom dia.
Um abraço, deste seu amigo não de sempre, mas para sempre.
Obrigado Jorge. Eu sei que posso contar consigo. Um grande abraço pelo apoio.
Relativamente às dívidas das autarquias, é de esperar melhores dias uma vez que está a haver o esforço por parte destas e do Governo de liquidar as dívidas em tempo útil. Não quero acreditar que estes atrasos sejam feitos de propósito, de má fé, de maneira a provocar a falência e, assim, já não terem de pagar o que devem. Não quero nem posso acreditar que o tempo que demoram a pagar seja um plano qualquer premeditado. O mal disto é que muitos destes comerciantes a quem o Governo deve dinheiro não vê a tolerância por parte deste quando toca ao pagamento de impostos. Para uns há prazos rígidos, para outros há o "paga-se quando se puder/quiser".
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