quinta-feira, 26 de junho de 2008
A POMBA MONETÁRIA CORREIO
Quando falamos no Carteiro, enquanto profissão, inevitavelmente, os mais velhos, numa viagem alucinante, fazem uma transposição para o belíssimo filme sobre a obra homónima de Pablo Neruda –escritor Chileno, jubilado com o prémio Nobel da literatura em 1971-, em que duma forma deliciosamente simples, ao ver o filme, nos colamos à personagem.
Este filme, para quem não se lembra, passa-se numa ilha em Itália, durante o exílio do escritor. Aí, por razões políticas, pelas suas crenças comunistas e defesa intrínseca do proletariado, é amado até à exaustão pelo povo. Pelo seu versejar fácil e profundo é idolatrado pelas mulheres daquela porção de terra rodeada pelo azul mar imenso. Nesta verdadeira pérola do cinema, em que o seu personagem principal, Mário –que, apesar de ter muitas dificuldades em ler e escrever, consegue ser contratado como carteiro-, pelos seus momentos hilariantes, nos faz rir até às lágrimas, outras vezes, pela sua simplicidade natural, pela franqueza absoluta de um meio pobre, mas mostrando o lado bom do homem simples, emocionam-nos de uma forma indescritível. É uma elegia à poesia e ao amor nas suas metáforas ilustrativas do grande poeta Neruda. Este filme, embora retrate laços de uma amizade profícua entre o escritor e o seu carteiro, trata sobretudo a história de amor entre o distribuidor de correspondência e a bela Beatrice.
A relação de amizade, estabelecida entre a pessoa que espera correio, encenada pela figura do poeta exilado e o carteiro, mostra um tempo que, aparentemente, não voltará jamais. Em que o respeito pelo estatuto de cada um, se funda na inalienável dignidade da pessoa, numa igual necessidade bipolar, mostrando uma empatia entre os dois, profissional e receptor de correio. Este sentimento de amizade, desinteressado e puro, hoje desapareceu completamente.
É certo, para o bem e para o mal, que os carteiros de hoje, tal como Mário, o nosso herói do filme, já não se deslocam de bicicleta. Hoje podem andar a pé em pequenas distâncias, dentro da cidade, mas, para os arrabaldes, já se deslocam de veículo motorizado. Aposto que a maioria não conhece o profissional que lhe coloca a sua correspondência na sua caixa de correio. Sabe se é homem ou mulher? Claro que não sabe. Como ninguém espera carta de amor, o que se pode pensar é em contas para pagar: a água, o telefone, a electricidade, etc. Então, nesse caso, faz todo sentido nem querer conhecer o correio de tão tristes notícias. Como no aforismo, se pudéssemos “matávamos” o mensageiro. Só nos traz dores de cabeça. Ou então, nessa impossibilidade, porque pode ser uma “belezura”, no mínimo, que se atrase o mais possível.
Sim, falei bem, uma beleza, porque pode ser uma bonita mulher, de vinte e poucos anos, de longos cabelos louros e um palmo de cara que promete o céu. “Mas essa pessoa nos Correios não existe!”. Isso pensa você! Mas, acredite, existe mesmo, e é a carteiro da minha rua. Palavra de honra que não tenho nada a ver com isso. Acreditem que não meti nenhuma cunha. A Elisabete é uma simpatia.
Todos os dias lhe pergunto se é hoje que me traz uma carta de amor. Com o seu sorriso traquina, vai-me respondendo que não. “Já ninguém escreve cartas de amor”, responde enfaticamente. “Eu, ou trago más notícias, quando são ordens de pagamento, ou então, por volta do dia 25 de cada mês, sou o “Pombo Monetário Correio”, uma espécie de Pai Natal dos pobres. Em vez de ser a 25 de Dezembro, para estas pessoas, eu distribuo o natal mensalmente. Só me falta o barrete! Por esta altura do mês, chegam a perseguir-me pelas ruas da cidade”.
Esta correio-mulher-menina esforça-se muito, levanta-se às seis horas da manhã, vinda de uma cidade satélite de Coimbra para poder fazer face às despesas da casa, juntamente com o marido, e poder criar o seu menino. Quando lhe pergunto se gosta do que faz, engelhando a fronte, responde-me a sorrir, entre um rir possível, dividido entre a impossibilidade de escolha e a conformação: “que hei-de fazer? Sou licenciada, e estudei para assistente social, mas não tenho emprego na minha área, apesar de tudo, dou graças por ter este trabalho!”
Parafraseando uma canção conhecida do Conjunto António Mafra: “Para uns são alegrias, para outros tristezas são, o carteiro não tem culpa, é a sua profissão”.
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