sábado, 28 de junho de 2008

O ABROLHOS E A NOITE BRANCA



 Ontem, dia 27, foi a "Noite Branca" na Baixa de Coimbra. Como todos sabemos, copiando o que se passa no estrangeiro, consiste em manter o comércio aberto toda a noite, ou durante umas horas para além do horário dito tradicional. É uma forma de tentar, nestes eventos, em que se inclui animação, chamar os consumidores.
Andava eu, descontraído, pelas 23 horas, a passear pelas encantadoras ruas da Baixa, com barulho de gaiteiros e pouca gente, quando, ao entrar na Rua do Corvo, dou de caras com o Abrolhos. Palavra, vocês podem não acreditar mas fiquei contentíssimo em vê-lo. Vocês estão a ver quem é o Almerindo Abrolhos, já vos falei dele aqui?! É o tipo mais bacano que conheço. Gosto dele, pronto! Que querem? É como se fosse o meu alter-ego. Digamos que ele é o homem que eu não sou. Encantador para as mulheres, um Casanova, com um charme que as faz derreter como chocolate exposto a altas temperaturas. É um troca-tintas delicioso. É um “coimbrinha” de gema, que a qualquer momento desdiz o anteriormente afirmado, mas com muita classe e minúcia. Só queria que vocês vissem! Sem contorcionismos bacocos, com uma argumentação sibilina, o meu amigo Almerindo consegue, sem grande esforço, vender gelo a um qualquer esquimó.
Então, quando o encontrei na Rua do Corvo, assim que me viu –só queria que vissem- num cumprimento esfusiante, fez um alarido do “camano”: “olha o meu amigo Luís”, verberou o Abrolhos, abrindo os braços e parecendo o Cristo-Rei a abraçar Lisboa, em altos gritos, tão alto que até o Tonecas, o gato da dona Ermelinda, que passava pelas brasas no patim de acesso ao 3º andar da sua dona, se assustou e mandou um estridente grito de aflição. Aquilo parecia um quebra-silêncio em cadeia nas ruelas da baixinha. A seguir ao gato, naquele miar ensurdecedor, parecia que estava a ser violado, foram as pombas, coitadinhas, que dormiam a sono solto, e nem o tan-tan dos gaiteiros as tinham acordado. Foi uma chatice, até o Hélder, o mal-amado, um sem-abrigo que pernoita por estas ruas, quando acordou estremunhado, por se sentir incomodado. Fogo! Estava a ver que ainda chamava a polícia. Vejam bem o que fez o Almerindo, mas ele é assim, assumidamente.
-Então, ó meu, que raio de ideia é esta de fazer uma “Noite Branca” no mesmo dia em que há festas no Largo da Sereia e, como se não chegasse, o Dolce Vita, o shopping do Amorim da cortiça, faz uma igual, de 24 horas, com o Jorge Palma, vocês estão “chonés”, ó quê? Atira-me o Abrolhos, de rompante, sem que eu tivesse possibilidades de defesa.
-Ó pá, certamente foi por acaso…, começo a tentar explicar. Nem pude concluir. O Almerindo, parecendo o Pacheco Pereira, meio abrupto, nem me deixou concluir, cortou logo a direito, como se as suas palavras fossem iluminadas pelo clarão da filosofia e do saber:
-Ó mano, não venhas com desculpas cá “p'ra moi”, que disto percebo eu! Se a ideia é funcionar como uma espécie de tiro de SOS, "very lite", que sendo disparado por quem está prestes a afogar-se, clamando por auxílio urgente, até aqui eu entendo. O que não consigo perceber é realizarem isto no mesmo dia. Não vêem que é uma luta inglória? É David contra Golias, meu! Eu acho que a APBC (Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra) não tem assessores à altura. Isto é uma tristeza –o Abrolhos fez um esgar sombrio-, está tudo a fechar! O problema é que neste mar imenso de interesses quem é que se importa que uma ou várias lojas de comércio de rua naufrague? Salvá-las dá um bocado de trabalho. Além de mais, os meios disponíveis estão todos ao serviço do grande comércio centralizado. Aliás, não é só no comércio que se verifica este fenómeno, é em todos os ramos. Na agricultura, o pequeno produtor está exangue, em agonia. Nos serviços a mesma coisa, vejam o caso dos pequenos cinemas independentes. E, naturalmente, no comércio a mesmíssima coisa. Por mais braçadas que o náufrago dê, por mais festas e festinhas que se realizem, e perante este oceano de indiferença, pouco vale. Está moribundo e pronto! O Abrolhos, amainou, certamente para tomar fôlego, então eu retomei a minha argumentação.
-Pois, concordo contigo…-fui interrompido pela voz do Almerindo, como espada cortando o vento.
-Ó meu, desculpa lá, vai ali a passear o Armindo Gaspar, o presidente da APBC, vou ver se ele não precisará de um assessor como deve ser!
E deixou-me a falar sozinho. Já nem estranho, já estou habituado. Olhei para cima, para as janelas em volta, então não é que as poucas velhinhas, que moram por ali, estavam a escutar tudo? A Dona Ermelinda, a Dona Francelina e até a menina Efigénia, que apesar da longa idade nunca casou e é virgem, dizem! Olha para as cuscas! Ou estariam a topar o Almerindo e a imaginá-lo numa longa noite de sexo? Ai estas velhas…

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