quarta-feira, 11 de junho de 2008

O REGRESSO DA (G)RAÇA


(IMAGEM DO BLOGUE "PIOLHO DA SOLUM")


Na segunda-feira, Cavaco Silva, Presidente da República Portuguesa, referiu-se ao Dia de Portugal, como dia de Camões, das Comunidades e Dia da Raça. Foi uma “gaffe”, foi um lapso de linguagem, foi, não foi? Cavaco tem obrigação de clarificar. E porquê? Simplesmente por ser uma frase identificadora de Salazar e do Estado Novo? Ou seja, olhando o ministério do presidente, o seu agir consensual sem hostilizar o governo, e até a sua voz, em boa verdade fazem-nos lembrar o político de Santa Comba Dão, que serviu o país durante 41 anos, como se, com uma simples frase, fizesse ressurgir o fantasma de um autoritarismo passado? Será apenas isso que, na linha da verdade do tempo presente, se impõe que Cavaco desmistifique o nosso e o seu futuro? Pessoalmente, apenas por estas premissas, penso que não.
Tem obrigação, deve essa clarificação ao país, porque Portugal não é mais um país segregacionista e discriminativo. Hoje o nosso país faz parte de uma sociedade europeia multicultural. Hoje é comummente aceite que existe apenas uma supra raça (humana) e não várias em função de cores. É verdade que no nosso dia-a-dia, continuamos a referir-nos a questões “racistas”, como se realmente continuássemos a admitir a supremacia “branca”. Também é verdade, fruto de genes hereditários e quase quinhentos anos de domínio colonial, como alguém disse, que bem no fundo, lá no fundo, todos nos consideramos um pouco superiores a qualquer outra tonalidade de pele, mas, tendo consciência desta fragilidade, é evidente que temos obrigação de inflectir este pensamento segregacionista.
E não chega bradar que “todo o homem é meu irmão”! É preciso, sem discursos morais e religiosos, respeitar a dignidade de todos os povos e etnias. E quando refiro “respeitar” é aceitar sem pestanejar que somos todos humanos, tendo em conta as diferenças de cada um. Normalmente, na relação com pretos –digo assim deliberadamente, em vez de negros- é usual apelar-se à “tolerância”. Ora, tenhamos em conta, que “tolerar” é sempre digerir uma coisa a contragosto, algo de que não se gosta. Alguma coisa, intelectual ou não, ou alguém, que nos irrita ou provoca medos, que pela nossa indiferença, levando ao ostracismo, pode marcar uma ofensiva diferença, numa igualdade possível e necessária, sem cair no igualitarismo falso e sem densidade.
E, quanto a mim, é neste mutismo, que não será mais escandaloso, divulgado pela imprensa, exactamente, porque está demasiado ocupada pela greve dos camionistas, que o Presidente da República deverá clarificar. Se foi um “lapsus linguae”, aceita-se, é perfeitamente normal em qualquer pessoa que fale. Só os mudos não os cometem. Se nada disser, mantendo-se no seu pedestal entronizado de Chefe de Estado, só pode ser uma graça…sem graça.

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