sábado, 21 de junho de 2008

O REGRESSO DO ABROLHOS


(Quando se tirou esta foto, por acaso, o Almerindo não estava lá)



Claro que vocês não se lembram do meu amigo Almerindo Abrolhos. Falei aqui dele, no ano passado, e fiz a sua apresentação. Como já passou muito tempo, vou descrever-vos esta figura ímpar, que, normalmente no verão, regressa a Coimbra.
Posso dizer-vos que o seu quartel-general, durante o dia, é a esplanada do Café Santa Cruz, ali na Baixa, junto à Igreja com o mesmo nome. Vocês conhecem, certamente. Garanto-vos que, como homem, é encantador. De fino trato, nunca lhe ouvi levantar a voz. É assim uma espécie de “Zézè Camarinha”, mas muito mais elevado, de uma sensibilidade e cultura à flor da pele. É um "Coimbrinha" muito nosso, muito especial. Apesar dele ainda não me ter avistado, estou a vê-lo sentado na esplanada. Vou descrever-vos como é que está vestido. Sobre uma t-shirt azul céu, presumivelmente Lacoste, sobre os ombros, ressalta um pulôver de mangas caídas, amarradas em forma de nó, sobre o peito. As calças, impecavelmente vincadas, são brancas, a fazer namoro com uns sapatos “abicados”, de verniz, de alta qualidade, aposto que foram comprados na Sapataria Romeu. Junto dele, sobre a mesa, um telemóvel terceira geração.
O seu cabelo, impecavelmente penteado para trás, sustentado por grandes camadas de gel, deixam antever uma cãs já meia esbranquiçada de quase meio século, embora muito bem encobertas por uma tinta revitalizante, emolduram uma cara de menino traquina. Este homem, pelo brilho dos olhos, encobertos por uns revivalistas óculos de sol “Raiban”, dos anos 70, parece não ter crescido e conserva uma graça e infantilidade indescritíveis. Reparem nele. Parece que está inerte, mas é puro engano. Está a “morder” tudo à sua volta, como costuma dizer. Olhem bem, vejam o que vai acontecer com aquelas duas “cotas” boazonas que se aproximam, descendo a Visconde da Luz. Vêem, eu não disse? Olhem só para aquele olhar descarado, de engate, das maduras. Parecem cadelas com cio. Não tiram os olhos do Almerindo. Eu não disse? Este homem atrai as mulheres como abelhas pelo pólen. É uma coisa incrível. Eu não devia dizer, mas chego a ter inveja dele. Que coisa! Porque é que uns têm tudo e outros nada? Está certo? Na minha simplicidade, acho que não. E depois, o que me aborrece mais é não podermos reclamar para nenhuma entidade. Hoje pode-se reivindicar tudo, que diabo, só falta podermos exigir um necessário carisma quando nos falta. Bom, vou mas é cumprimentar o Abrolhos, que já tinha saudades dele. Vão ver a algazarra que ele vai fazer quando me vir. Até parece que adivinho. Já me viu. Já começou a levantar-se e abrir os braços, parece a Santa Maria Adelaide.
-Ó meu, quantas saudades, quase há um ano que não te via. Cumprimenta-me num grande grito. Toda a gente parou para ver. Até aquele senhor velhinho lá no canto, que lia o jornal na paz dos deuses, levantou os olhos e não descola do Almerindo e do seu brilho efusivo de alegria.
-Então por onde tens andado, Abrolhos? Pelos “Brasis”, já vi tudo, a perseguir aquelas morenas, foi, não foi? Interrogo, meio duvidoso.
-Claro, pá! Sabes bem que não me dou com o frio cá da província.
-Conta-me tudo, suplico eu, nunca mais soube nada de ti, podias ao menos enviar um e-mail. Instigo-o, em forma de reprovação.
-Ó meu, comigo está tudo "numa nice", contigo é que parece que não. Pareces-me um bocado desanimado. Estás como a Baixa, sem brilho, sem alento, como uma lagoa de água-choca!, atira-me de chofre o Almerindo a querer provocar-me.
-É pá, ninguém se importa com isto, como é queres que me sinta? Recalcitro sem grande convicção.
-Ó meu, então mas, ontem na ACIC, a deputada eleita pelo PS, pelo círculo de Coimbra, não afirmou que candidatar a Baixa a Património Mundial pode ser a solução? Além de mais o estudo apresentado pelo docente da Faculdade de economia, Henrique Albergaria, que compara a Baixa e a Solum –que já foi apresentado há mais de um ano na Câmara Municipal-, vem mostrar que o comércio tradicional tem potencialidades e não as está a aproveitar. E mais: o responsável pelo Gabinete para o centro Histórico de Coimbra, veio desancar nos comerciantes, como já é costume, afirmando que vocês têm tudo para serem felizes e são umas “avéculas” infelizes? Interroga o Almerindo, franzindo as sobrancelhas, fazendo uma cara de caso, como se estivesse a teatralizar.
-Ó pá, soluções todos têm, o problema é que não se passa disso. É assim uma espécie de barraca de tiro ao alvo, de feira, todos dão um tirinho, aparentemente, todos acertam na “mouche”, mas como usam pólvora seca e a finalidade é apenas mostrar que se sabe atirar, não se passa disso. Porque logo a seguir se lhes for pedido a sua contribuição para avançar já não estão disponíveis. Sinceramente ó Abrolhos, creio que verdadeiramente ninguém está interessado em fazer absolutamente nada. O que lhes interessa é apenas, de uma forma de “faz-de-conta”, mostrar que se faz. Uma tristeza, amigo…
-Ó meu, ó meu, que é isso, calma, eu estou aqui –interrompe-me o Almerindo, preocupado com o meu desânimo e dando-me um abraço. Tem calma que eu vou ajudar. De repente, levanta-se e “ó Carlos, ó pá, espera aí que preciso de falar contigo”. Em passo apressado foi ter com o presidente da Câmara, Carlos Encarnação, que passou à nossa frente, certamente ia para a Rua Fernandes Tomás. E como já estou habituado, o Almerindo, deixou-me a falar sozinho.

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