As megasuperfícies comerciais tiveram um papel revolucionário e fundamental no comércio do nosso país. Até ao inicio da década de 90, do século passado, tínhamos um comércio amorfo, acomodado e pouco interessado em evolução. O seu objecto era apenas o vender o máximo ao maior lucro possível. As grandes superfícies comerciais, com um conceito inovador, vieram provar que era possível vender a baixo preço, afectando apenas uma ínfima margem de comercialização, desde que se alienasse em grandes quantidades, e baseado no rápido escoamento. Este embaratecimento dos produtos, diga-se, levou à democratização do consumo e ao acesso dos consumidores a todos os bens, de primeira necessidade e suplementar. Ou seja, aparentemente “a mão invisível” de Adam Smith estava em marcha –este princípio, de 1776, sustenta que na prossecução egoísta exclusiva, de cada um, agindo no seu benefício pessoal, todos os indivíduos são levados, como que por uma mão invisível, a atingir o melhor benefício comum. Tudo parecia indicar que através de uma concorrência, ainda que imperfeita e naturalmente egoísta, todos os consumidores sairiam a ganhar.
O problema começa a surgir quando o grande comércio, tal como jacinto de água –planta, que pela sua rara beleza pode revolucionar uma bacia de água, mas que extingue tudo o que seja vida à sua volta- progressivamente, vai aniquilando todas as lojas de aldeia, bairro ou dos centros históricos das cidades.
Paralelamente, na agricultura, aconteceu um fenómeno parecido. Tendo em conta o teorema das vantagens comparativas -em que cada país apenas deve produzir, para vender aos outros, os bens, cujos custos de produção sejam inferiores aos verificados no estrangeiro-, e também, a partir de 1986, com a aderência à então CEE, foram sendo aposentados compulsivamente os agricultores considerados excedentários, uma vez que os bens agrícolas eram importados a preços inferiores ao custo dos factores nacionais. Também aqui quase parece ter havido intenção deliberada ou, no mínimo, omissão dos nossos governantes dessa altura. Hoje vê-se que foi um erro de palmatória quase acabar com o sector primário. Já começamos a pagar a factura com elevados juros.
No sector terciário, igualmente, assistiu-se, gradualmente, por parte dos sucessivos governos a um “laissez-faire-lessez passez", isto é, o Estado, em nome de uma doutrina liberalista, foi deixando de intervir na sua qualidade de necessário árbitro. É assim que chegamos à Lei 12/2004, de 30 de Março, em que o governo delega o licenciamento para uma Comissão Municipal. Esta Comissão, constituída pelo presidente da Câmara Municipal, pelo presidente da Assembleia Municipal, pelo director regional de economia, pelo representante do Instituto do Consumidor e pelo presidente da Associação Comercial. Se atentarmos nesta composição, facilmente chegamos à conclusão que ela infere de vício de forma. Verifica-se que as forças em presença estão desequilibradas. O representante dos comerciantes está na (des)proporção de um para quatro. Daí se entenda que a todas as licenças para aberturas de grandes superfícies, em qualquer cidade do país, fosse dado provimento, mesmo contra a oposição patronal do comércio tradicional. Com a nova lei de licenciamento, em perspectiva, mais uma vez esse poder é passado para as autarquias. Os executivos camarários, preocupados em mostrar obra feita, desde piscinas, rotundas, pavilhões multiusos, e promessas de criação de novos postos de trabalho, até agora pouco se preocuparam com a desertificação do miolo urbano e o encerramento continuado de mais e mais lojas comerciais. Mesmo sabendo que os novos empregos gerados, na maioria precários, são à custa da deslocalização de um lado para outro. Assim como, todos, vamos assistindo a um descarado aumento de preços, consequência de uma estratégia monopolista e de duopólio centralizado do grande comércio.
Além de mais, a maioria dos autarcas sabe que existe incumprimento contratual por parte dos grandes centros comerciais, mas, mesmo assim, todos fazem tábua rasa sobre o assunto. Preferem calar-se a admitir que foram enganados. E é aqui, chegado a este ponto, que mostro o motivo que me levou a escrever este texto. Segundo vários jornais nacionais e particularmente o Jornal da Mealhada (http://www.jornaldamealhada.com/), noticiam, em primeira página, que a autarquia Mealhadense denunciou o incumprimento da empresa LIDL & Companhia. Com uma manifesta coragem, Carlos Cabral admite ter sido enganado, e que aquela empresa, comprometendo-se a empregar 19 trabalhadores, apenas empregou 1 funcionário a tempo inteiro. Os restantes 18, muitos deles, trabalhando uma hora por semana, auferem somente, 13,60 euros, mensalmente.
Apesar de ser sobrecarregado com o ónus de ter ajudado a licenciar aquele empreendimento comercial, uma coisa temos que admitir: foi um acto de coragem. Pode ser que o seu exemplo seja seguido por outras autarquias, e denunciem esta “fraude”. Sinceramente, a bem do que resta e da salvação do pequeno comércio, faço votos para que assim seja.
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