sexta-feira, 4 de março de 2016

UM PROCESSO DE KAFKA NA PUBLICIDADE CAMARÁRIA

(Este seria o teor no panfleto a distribuir na cidade)




“Loja Comercial LUZ LUZ, Baixa de Coimbra
Tendo os comerciantes entrado em contacto com a C.M. Coimbra, para pedir autorização para distribuição de panfletos indicados na foto em baixo, foi nos comunicado que tínhamos que apresentar uma requisição com o custo de 10€, esta sendo aceite, teríamos que pagar 100€ por dia mais 100€ por Rua, com este valor parece que querem fechar de vez o comercio tradicional em vez de o ajudarem a crescer (DEIXE O SEU COMENTÁRIO)”

O assunto chegou-me primeiro por boca, através do Carlos Pereira, assim: “ó Luís, já viste como a Câmara Municipal de Coimbra quer ajudar a desenvolver o comércio tradicional?”. E a seguir contou-me o que escreveu na sua página do Facebook.
Quando o Pereira me contou o meu primeiro pensamento foi que alguma coisa estaria mal. Ou seja, às tantas, sei lá, o meu colega teria percebido mal.
Em ressalva, sempre que possível, só escrevo ouvindo as duas partes em conflito. Quem me conhece, ou me segue através do blogue, saberá que tento todos os dias ser credível no plasmado. Não é apenas uma questão de seriedade, é sobretudo uma forma de defesa. O que menos quero é malhar com as costas num tribunal por ter sido demandado por uma acção de difamação –já lá fui uma vez. Porque pedi a instrução do processo, felizmente, foi-me dada total razão mas, para me defender numa verdade incontestável, gastei algumas centenas de euros e incomodei pessoas para me ajudarem a provar que o que tinha escrito foi mesmo o que se passou –para elas o meu muito obrigado. Daí talvez perceber-se o meu cuidado no que garatujo.
Voltando ao Carlos Pereira, o que ele me contou parecia ser tão absurdo que quase não acreditei. Dando corda aos sapatos na direcção do edifício da Câmara Municipal de Coimbra, fui à Secção de Atendimento -porque fui mais do que uma vez, ressalvo, sendo muito bem atendido, com uma simpatia invulgar de várias funcionárias- e coloquei a seguinte questão: sou comerciante, preciso de divulgar a minha loja através de distribuição de panfletos na cidade. No âmbito do Regulamento de Publicidade, o que preciso fazer?
E a resposta, na ponta da língua da funcionária, veio lesta e pronta: “chama-se “Campanha de Rua” esta sua pretensão no Regulamento da Publicidade. Precisa de preencher este formulário –entregando-me o requerimento. “Depois, acompanhado com um exemplar/projecto ou desenho do mesmo, pagando 10 euros à cabeça, dá entrada nestes serviços e indica os dias e as ruas em que pretende distribuir a publicidade. Por cada dia paga 100 euros e para cada rua corresponde outro custo igual de também 100 euros.”

NOSSO SENHOR ME ACUDA!

Vou repetir: para publicitar, no caso uma loja, devo informar previamente as ruas abrangidas, discriminá-las e pagar 100 euros por cada uma onde pretendo fazer a distribuição. Para além disso, sejam muitas ou poucas artérias, tenho de liquidar também 100 euros por cada dia.

DUPLA TRIBUTAÇÃO?

Salvo melhor opinião –não sou jurista nem percebo nada de direito-, ao ser tributada uma unidade de tempo (um dia) e, na linha do mesmo objecto, que é a distribuição de publicidade, colectar o espaço de uma área geográfica onde se vai verificar o facto que dá origem ao licenciamento estamos perante uma dupla tributação sobre o mesmo efeito. Ainda que seja admissível encarecer o prazo de validade, tendo em conta o factor poluição ambiental, ao onerar as duas premissas acaba-se a estancar a sua operacionalidade. A ser assim, estamos no campo do absurdo, de uma norma regulamentar de efeitos perversos –mais à frente explicarei melhor.
Ainda que possa ser discutível, e estar enganado e a norma regulamentar ser admissível, no mínimo, no alcance que pretende atingir, é desnecessária e contraproducente. Para além disso, parece-me, falta bom-senso ao legislador. É uma norma de aplicação impraticável. A meu ver, é impossível controlar os efeitos e a consequência será a fuga para o ilícito. Vou ser mais claro:

-Para quem pretender distribuir publicidade em 20 ruas, quantos dias vai requerer? Naturalmente que vai solicitar um dia mesmo que demore quatro –do ponto de vista da logística é impossível o controle dos serviços de fiscalização.
-Imaginemos que pretendo que a minha publicidade seja distribuída em toda a cidade pelos CTT. O que preciso fazer?
Tenho de indicar os dias que vão levar na distribuição e, pasme-se, tenho de dar a relação das ruas todas para me serem cobrados 100 euros por cada artéria –esta foi mesmo a resposta dada à questão por mim levantada.

E SE A CÂMARA FOR ACUSADA DE ESPECULAÇÃO?

Conforme se confirma e já escrevi, no mesmo pacote para o mesmo licenciamento, empregam-se dois critérios para o mesmo efeito: unidade de tempo (um dia) e unidade de espaço, área geográfica, (uma ou várias ruas).
Então suponhamos que pretendo distribuir publicidade numa única artéria e que demoro somente uma hora. Já sabemos que terei de pagar 200 euros pelo licenciamento. Ou seja, por uma hora vai ser-me cobrado um dia. Logo, se falamos em unidade de tempo especificada no Regulamento, alegadamente, o requerente só deveria pagar a fracção correspondente ao seu uso. Quer dizer que, imaginando cenários, pelo abuso, a edilidade poderá ser acusada de prática de especulação.

EFEITOS PERVERSOS INCOMENSURÁVEIS

Ao pretender ser mais papista que o papa –querendo comer tudo a montante- a Câmara Municipal de Coimbra, com esta prática no Regulamento de Publicidade, está a ser anti-económica, ou seja, está a blindar, impedindo a acessibilidade em corrente, os operadores derivados e abrangidos pela cadeia de publicidade em mão. Isto é, por ser impraticável devido aos custos exacerbados, a montante, começa logo pela previsível imobilidade dos interessados que pretendam fazer publicidade porta-a-porta –e, naturalmente, querendo fazer esbulho, a autarquia não recebe nada. A jusante, são prejudicados todos os operadores ligados a tipografia –já que deixam de ter trabalho. A cidade, pelo consequente desconhecimento, passa ao lado da actividade económica. O Estado, pelo encolher inevitável do interessado na divulgação, não recebe nada através de impostos directos e indirectos.
Sendo nós maledicentes –coisa que nem nos passa pela cabeça-, poderemos pensar que, ao empurrar a publicidade para os jornais e rádios,  intencionalmente a Câmara está a prestar um serviço  a um grupo, a uma classe determinada.

MAS A COISA ROLA…

Apesar de tanta nuvem de pó que levanto sobre a exequibilidade prática desta norma do Regulamento de Publicidade, fiquei a saber que, mesmo assim, ainda se vão passando licenças de publicidade porta-a-porta.
Fiquei a saber também que este Regulamento camarário foi feito por juristas. O que, em silogismo, como não sou pessoa de “iure”, é de presumir que tudo o que aqui vai escrito não é para levar em conta.



AVOA, AVOA PUBLICIDADE

Já depois de ter escrito a crónica na última sexta-feira, fiquei a saber, hoje Segunda-feira, que os CTT cobram, ou tributam, não pelo uso do espaço, não pela função do tempo mas sim pela quantidade –o que me parece aceitável, dentro de uma certa razoabilidade.
O que me causa perplexidade são os custos diferenciais praticados entre a autarquia –que lembro, independentemente da quantidade, cobra 100 euros por dia e mais 100 euros por rua- e a entidade responsável pela distribuição de correspondência.
Ora, na modalidade de correio não endereçado, os CTT por cada 1000 exemplares, com um peso até 10 gramas –que são os tradicionais desdobráveis-, cobram 34.67 euros já com IVA incluído. Não há zonas diferenciadas, o cliente apenas tem de indicar a área ou áreas abrangidas. Tanto quanto me foi transmitido, é um processo simplicíssimo.
Como é que se pode comprender o critério prescrito pela Câmara Municipal de Coimbra? Deve entender-se que entregar publicidade por mão, pelo interessado, é considerado uma acto de luxo pela personalização?


(TEXTO ENVIADO, PARA CONHECIMENTO, À CÂMARA MUNICIPAL DE COIMBRA)





1 comentário:

Daniel disse...

Não tem lógica nenhuma, mas deve ser daquelas coisas que ninguém liga, porque simplesmente não há fiscalização, não têm forma de provar em que ruas ou em que dia andam a distribuir publicidade.
Todos os dias se vêm pessoas a distribuir folhetos, peditórios de diversas associações, romenos a vender o Borda d'Água fotocopiado, e duvido que alguém peça licença para o fazer.
Quem não se quiser chatear, basta contratar a distribuição de publicidade através dos CTT, eles tratam de tudo.