terça-feira, 19 de agosto de 2008

NÃO NOS DEIXES MARTHAS!


(MAIS UM GRANDE ESTABELECIMENTO DA BAIXA QUE ENCERRA.)

O velho Marthas, com 98 anos finou-se. Desde a implantação da República, em 1910, que “morava” na Praça Velha, em Coimbra. Se alguém se lembra dele, isto é, se o visitaram nos últimos meses, parecia vender saúde. Gostava de livros, e tudo o que se relacionava com cultura. Ensinava a pintar. Tinha tintas, pincéis, imensos lápis, esferográficas e tudo o que se precisava no escritório.
Gostava tanto do velho Marthas. E vai fazer tanta falta. A Praça do Comércio, sem ele, não voltará a ser a mesma. Morre sem sequer uma homenagem, sem uma oração de despedida. Aposto que morre angustiado com esta “república” desordenada, sem consideração para a maioria dos seus filhos, que, esvaziada de ideais republicanos, “peito-cheio” de ultraliberalismo, se revelou um fiasco para o velho combatente da liberdade de livre-comercializar. Com a sua queda arrasta também um pouco de nós. Só o futuro, aquando da sua ausência sentida, irá mostrar a falta que nos faz a todos.
Como eu gostava do meu amigo Marthas. Era um ícone para toda a Baixa. A sua sabedoria não tinha limites. Tinha várias mulheres. Deixa cinco. Quatro desamparadas, no desemprego, uma delas com um bebé recente. Só uma fica melhor, mantendo o emprego. Quando lhe pergunto porque decidiu o Marthas morrer agora, quase com uma lágrima a saltar, responde: “que quer? Ninguém se importa! 98 anos de história…que se apagam! A dor que sinto, meu Deus! Apesar de tudo, entre as cinco, sou a que fico amparada”.
Por coincidência ou não com o mês da Implantação da República, o Marthas só em 31 de Outubro vai ser trasladado para a Adémia, onde irá ser "enterrado" sem pompa, sem glória, sem circunstância.
Até Outubro próximo vai ser exposto em câmara ardente e, em pungidos lacrimejantes, vai ouvir de si, que pouco o visitou em vida, de outros que nunca se dignaram entrar na sua alma, no velho edifício de seiscentos, com colunas e capitéis em pedra centenária de Ançã, de mim, com cara sofrida, mas que fui pouco amigo, frases sentidas no género: “não nos deixes Marthas!”
Mais um que nos deixa. Haja alguém que evite esta razia.
PAZ À SUA ALMA!

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