domingo, 31 de agosto de 2008
CULTURA: FILHA DE UM DEUS MENOR (1)
Em Fevereiro, deste ano, ao saber do iminente desmantelamento do Museu Nacional da Ciência e da Técnica, Doutor Mário Silva, em Coimbra, para além de medidas que visavam evitar o seu total encerramento, levando em conta a falta de iniciativas culturais que elevem a auto-estima e a revitalização da zona histórica, elaborei um anteprojecto escrito, em forma de “proposta académica”, que enviei a várias entidades com responsabilidades políticas na Baixa, entre elas, a Câmara Municipal de Coimbra, a ACIC, Associação Comercial e Industrial de Coimbra, a APBC, Agência de Promoção para a Baixa de Coimbra, o INATEL, a Reitoria da Universidade de Coimbra, juntas de freguesia de São Bartolomeu e de Santa Cruz.
Certamente, estará a interrogar-se, afinal de que tratava este “Anteprojecto em forma de ideia”? Pois bem, eu explico, começando por apresentar as partes dispersas: tendo em conta que existe em pleno coração da Baixa um edifício vazio, e sem qualquer utilização, com 600m2, na Rua da Sofia, o antigo quartel DRM, e protocolado à Universidade em regime de cedência; tendo em conta que o Museu Nacional da Ciência e da Técnica tem um espólio valiosíssimo, disperso pela cidade e fora dela, desde a mais antiga lâmpada fosforescente de que há conhecimento, alfaias agrícolas, as primeiras galenas (primeiros rádios de captação de ondas hertzianas, do inicio de 1920), os primeiros Gramophones de Thomas Edison, quatro carros e duas avionetas do Estado Novo que nunca foram mostrados ao público, e milhentos instrumentos importantíssimos no desenvolvimento da Ciência e da técnica entre meados do século XIX e finais de XX, para além deste extraordinário acervo museológico; tendo em conta que ao remexer neste assunto do museu descobri que havia sete funcionários “emparteleirados”, sem trabalho distribuído, e a receber salários, mensalmente, sem que ninguém se importasse com o seu rendimento laboral; tendo em conta a carência de “empreendimentos-âncora” que levem pessoas para a Baixa, porque não juntar os elementos e fazer um “Centro Comercial de Mesteres Antigos –Artes & Ofícios Tradicionais”? Este “centro comercial”, seguindo a linha dos modernos centros de consumo, teria, no entanto, uma diferença: estaria vocacionado apenas para o antigo, para artes e profissões em desaparecimento, como, por exemplo, sapateiros, barbeiros, latoeiros, tanoeiros, etc. Para além disso, ao fim de semana, muitas profissões e jogos tradicionais (como, por exemplo, o vendedor de banha da cobra e o jogo de saltar à corda, entre outros) seriam apresentadas teatralmente. Assim como, e contrariamente a esta interactividade, tendo em mira a preservação museológica de objectos, teria uma parte inactiva, representativa de profissões, onde não faltava a de prostituta, com uma secção apenas dedicada a objectos de culto de índole sexual.
Neste Anteprojecto estava prevista a entrada de mecenas e dadores de arte contemporânea ou objectos antigos coleccionáveis que, preocupados com o fim que levariam as telas, os brinquedos antigos, faianças ou as porcelanas da Vista Alegre, após a morte do coleccionador, poderiam ali dar prolongamento ao seu gosto pelo coleccionismo, e, através do seu nome referenciado, evitariam o espartilhamento pelos herdeiros de algo tão precioso que, durante décadas constituiu o sal da sua existência, o preenchimento de um vazio inexplicável, e, que para além de tudo, levou uma vida a construir.
O coleccionador está para a arte como o caçador está para a presa; pode levar uma vida inteira para conseguir uma peça rara, mas não desiste nunca de a perseguir. Um dia, quando menos espera, cai-lhe nos braços. A seguir a esta luta titânica vem a pergunta: “quem vai dar valor ao que tanto me custou conseguir? Assim que eu fechar os olhos, os meus herdeiros, ávidos por dinheiro, como aves de rapina, inevitavelmente vão vender tudo ao desbarato”.
Como qualquer escritor ou artista em geral, o coleccionador é um ser vaidoso, dividido entre o narcisismo e a alteridade. Para além de objectos para a sua colecção persegue o culto da imagem através do acervo da memória. Para além disso, quer projectar no futuro a sua passagem terrena, através dos objectos que juntou e ser recordado como uma pessoa sensível que, através da pesquisa, a expensas suas, contribuiu para a memória futura de um povo. O seu espólio, no seu sentir, é uma extensão da sua individualidade e pessoa, é a sua própria identidade projectada em peças que lhe lembram o passado, nas suas reminiscências, e o futuro em ser recordado.
Por isso, nos nossos dias, há imensas pessoas que, quer pelos motivos acima apontados, quer por um altruísmo sem descrição, entregam as suas obras, os seus amores de uma vida, para serem preservados e mantidos expostos em museus.
Infelizmente, por um lado, constata-se que, no caso de algumas autarquias, aceitam mas, a seguir, não respeitam a vontade do benemérito. Por outro lado, por uma tremenda ignorância, acabam por não dar valor ao que lhes é dado de mão-beijada. Para piorar, algumas, nem sequer se dão ao trabalho de aceitar.
Para terminar o meu texto, e ainda relativo ao meu Anteprojecto, gostaria de lhe dizer leitor que nenhuma entidade, que citei, se deu sequer ao trabalho de me responder.
Mas não foi a única. Há mais! Conto a seguir, para não maçar.
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