sábado, 16 de agosto de 2008
HISTÓRIAS DA MINHA ALDEIA (31): UM TIRO PARA TODA A VIDA
(A CAPELINHA DAS ALMINHAS DE BARRÔ. TÃO PEQUENINA NO EDIFICADO MAS TÃO GRANDE NA ESSÊNCIA DAS GENTES DESTA TERRA)
Era terça de Carnaval, naquele longínquo dia de 23 de Fevereiro de 1982. Normalmente, em Barrô, na minha aldeia, o dia era mais um igual, no calendário, que passava a correr. Há quem diga que no Entrudo os tristes, durante o ano, enfiam a máscara e, nos três dias de folia, tornam-se alegres e capazes das graças mais audazes. Porém, ou para desmentir o adágio ou não, a verdade é que os habitantes do meu lugar de eleição sendo tristes todo o ano, mesmo no carnaval continuavam a sê-lo. Raramente alguém se mascarava. De vez em quando havia excepções, é verdade, mas o habitual era esta quadra ser igual a uma outra qualquer.
Naquela terça, que o meu amigo Jorge, filho do “Zé” Maria Barbeiro, jamais esquecerá, o então rapaz, com 19 anos, cheio de força na guelra, iria concretizar uma ideia que, nos dias antecedentes, lhe andava a matutar na cabeça: iria fazer, no lugar, um dia diferente. Na sua casa, tinha um foguete que tinha crescido do dia de Páscoa do ano anterior e deixado pelo Manuel “Fanangueiro”. Quase sempre era este homem que mandava os petardos para o ar no dia das festas da aldeia. Numa militância continuada, tal como no Rio de Janeiro, em 20 de Janeiro, dia e mês da festa de São Sebastião, padroeiro do lugar, na festa de São José, padroeiro dos trabalhadores e da família, ou nas Alminhas, uma pequena capelinha onde, a caminho dos campos do Ribeiro ou da Lapa do sino, os assalariados deixavam uma pequena oração às almas dos que partiram. Nesse tempo, no início da década de 1980, esta pequena ermida estava isolada das restantes casas da população. Hoje, para o bem e para o mal –quanto a mim mal, deveria ter sido salvaguardado um pequeno terreiro em volta- esta pequena edificação está rodeada de casas, retirando-lhe a grandiosidade espiritual merecida. Um dia destes descreverei a importância que este pequeno templo teve na minha infância. Era nele que, enquanto criança, a caminho da escola primária da Lameira de S. Pedro, eu depositava as minhas esperanças, os meus medos e os pedidos de auxílio. Interessantíssimo, a meu ver, através da negociação e das promessas a cumprir: Alminhas, se me ajudares no ponto escrito, faço isto, se me ajudares a cumprir aquela tarefa farei aquilo.
Voltando ao Jorge, no dia de Carnaval de 1982, como tinha lá em casa um foguete de rebentamento foi convidar o Carlos “Maçãs” e o João Morais para, juntos, lançarem o foguete –para quem não souber, é um petardo pirotécnico ou de artifício composto por uma pequena quantidade de explosivo e de um pavio, que enrolado a uma cana, e depois de se incendiar a mexa, iniciando a combustão, eleva-se no ar e provoca um ou vários rebentamentos em forma de tiro. Estes artefactos ruidosos desde sempre foram muito usados nas aldeias de todo o Portugal para publicitar as festas populares, romarias ou celebrações eucarísticas. Era do conhecimento popular que onde estoirasse um foguete –e ouvia-se a dezenas de quilómetros- havia festa com certeza, numa aldeia portuguesa.
Mas o Jorge, fruto da sua pouca idade ou não, não tinha nem os cuidados nem a mestria do “fanangueiro”. E, para aumentar a negligência, retirou a bomba com explosivo da cana. Qualquer mestre em lançar foguetes sabe que um petardo sem cana é como uma arma carregada, pronta a disparar, nas mãos de uma criança. Assim que tocar no gatilho explode. E foi o que aconteceu, o Jorge incendeia o pavio, como não tinha cana direccional que o faz elevar no ar, em segundos explodiu ali mesmo, no meio das suas mãos. A sua mão direita desapareceu em bocados naquele fatídico dia de Entrudo, já lá vão mais de vinte e cinco anos. O Carlos “Maças” ficou com problemas de otorrinolaringologia, afectando-lhe sobretudo o aparelho auditivo para toda a vida. Felizmente que ao João Morais nada aconteceu para além de um grandessíssimo susto.
O que era para ser uma celebração carnavalesca diferente, na aldeia, tornou-se um dia de dor e marcante para toda a vida do Jorge.
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