segunda-feira, 14 de julho de 2008

UMA SOCIEDADE JUDICIALISTA


(IMAGEM DA WEB)


Um recente estudo entre géneros em idade escolar veio mostrar que, quer o homem quer a mulher adolescentes, encaram a violência contra a integridade física como normal. Vão até ao paradoxo de aceitar também a violência física sexual como algo necessário, despenalizante, e dentro do contexto de envolvimento e excitação.
Ora, ainda que seja com base em amostras, tal estudo dever-nos-ia preocupar profundamente.
O Estado, desde há 30 anos a esta parte, deixou de apostar na educação para centralizar todo o espectro comportamental do indivíduo no direito. O direito passou a ser uma espécie de analgésico que, sem curar, indo ao âmago das coisas, temporariamente retira as dores.
Os sucessivos governos após-25 de Abril em vez de canalizarem a sua acção na educação a montante, a partir do nascimento –formando pais e professores, dando-lhes poder de decisão-, insistindo nas obrigações do indivíduo perante a sociedade, faz ao contrário, para além do contínuo esvaziamento de autoridade dos tutores, começa logo por lhe dar direitos exacerbados até à maioridade, e só a partir dos 16 anos o considera imputável e responsável pelos seus actos. Então, porque já é tarde, legisla em barda a jusante, tentando apanhar os cacos desta displicência tardia. E as consequências estão à vista de todos, com o aumento da violência dentro da família, escolar e urbana. Salvo melhor opinião, a violência na escola será resultado da apreensão consciente de uma certa impunidade social de que os alunos só têm direitos e nenhumas obrigações.
Neste sistema actual, em que não se investe nos pilares fundamentais da educação, o Estado, ao invés de, através do seu longo braço da lei, intervir o menos possível na esfera do indivíduo, desonerando-se e apelando a sãs relações de convivência ou contratuais, invade e trata o cidadão como coisa irresponsável. É um Estado paternalista, tentacular, que, obsessivamente preocupado com os princípios da protecção e da segurança jurídica, contrariamente ao pretendido, manieta e impede que a liberdade individual flua de uma forma natural e baseada no respeito intrínseco da pessoa. Tem como consequência o petrificar das posições e das relações bilaterais. Nada se contratualiza sem a intervenção do direito específico substantivo, quando pela lei geral adjectiva seria perfeitamente possível alcançar os mesmos fins. É uma sociedade monitorizada pela legislação, em que o cidadão se comporta como autómato sem reciprocidade natural.
É uma sociedade agrilhoada, em que aparentemente é livre, mas na prática vive numa teia que lhe cerceia os movimentos e faz dela uma marioneta comandada por fios invisíveis do “big brother” legislador.
Assim, ao ritmo desta produção legislativa, no futuro próximo, não haverá tribunais que cheguem para dirimir tanto conflito. O direito, na sociedade, deveria ser a linha condutora acessória, no conflituar, e jamais o essencial da convivência humana.
Para além disso, como nada se faz sem ser escrito, acaba por minar a confiança interpessoal na palavra e desenvolve o temor de se ser enganado. Faz pensar que o direito tudo resolve e, ansiosamente, deposita na justiça, como deusa omnipotente e justa, uma esperança de compensação de equilíbrio que se vem a concluir frustrante e que, no limite, é geradora de mais conflitos sociais até ao infinito.
Fará sentido o “Livro de Reclamações”? Faz! Quando temos uma comunidade desprovida de ética, onde a palavra dada nada vale, sem respeito pelo outro, e sem responsabilidade individual e acessória.
Uma sociedade que legisla a relação entre pais e filhos, dando a possibilidade a estes de se queixarem dos seus progenitores; uma lei que consigna como crime público a violência doméstica, nas relações familiares; uma presumível lei de proibição de piercings; uma lei do tabaco que, fazendo do cidadão um imberbe, lhe vem impor categoricamente regras de conduta no que lhe faz bem ou mal; diversas posturas municipais a penalizar comportamentos que deveriam ser imanentes e reflexivos, como por exemplo, abandonar os dejectos de animais na via pública, urinar, mandar lixo para o chão; uma sociedade que precisa de ver legislado a destruição de bens culturais, a separação de lixos, a poluição de rios e ribeiras, o fogo-posto, a proibição de fazer queimadas no inverno; uma lei gastronómica que invade os sabores de antanho, impondo regras unilaterais tecnocratas, alterando os costumes e o saber secular, é muito mais do que uma ditadura legislativa, é um fumo ardiloso que invade tudo o que é de mais íntimo.
Uma sociedade com tanta imposição penalizante será uma sociedade livre? Responda quem souber.
Até quando? Perguntará você leitor. Provavelmente até ao dia em que individualmente, cada um de nós, se preocupemos menos com os nossos direitos e cumpramos responsavelmente as nossas obrigações.

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