terça-feira, 22 de julho de 2008

HISTÓRIAS DA MINHA ALDEIA (26): O BROTAR DA SEXUALIDADE


(Imagem da Web)




Em 1966, com quase 11 anos, fui trabalhar para o Café Mandarim, na Praça da República, em Coimbra. 
Na puberdade, com as múltiplas modificações morfológicas e psicológicas a acontecerem, lembro-me das primeiras manifestações físicas da sexualidade. Se hoje, mesmo até para um pubescente, falar de sexo e das suas múltiplas consequências na procriação é tão normal como falar do clima, naquele tempo poucos pais falavam com os filhos sobre este tema psicossomático, importantíssimo no crescimento do homem e da mulher. Normalmente, mais no caso dos homens, a criança, sem qualquer preparação prévia, era surpreendida pelas transformações emergentes. No caso das mulheres, apesar do mesmo manto diáfano do tabu, creio que eram mais acompanhadas pelas mães, até porque, naturalmente, na mulher o surgimento da menstruação, na sua complexidade, envolve maiores cuidados.
No caso dos rapazes, salvo raras excepções, as informações, normalmente deturpadas, eram retiradas dos amigos habitualmente tão mal esclarecidos como qualquer um, apesar de, tal como hoje, individualmente, cada um achar que sabia tudo sobre sexo. Em face desta pouca informação, a mulher acabava por ser encarada unicamente como um objecto de prazer e que apenas servia para procriar. E não se pense, mesmo hoje, que este sentimento está ultrapassado, sobretudo no que toca às gerações de 50 e 60 do século passado. Creio haver dados estatísticos sobre violência doméstica, tendo em conta a idade geracional. Se a memória não me falha, esta crueldade normalmente sobre a mulher, em forma de força bruta, incide notoriamente nas gerações antecedentes às nascidas depois de 25 de Abril de 1974.
Voltando ao meu caso, porque estava longe dos meus pais a trabalhar, a minha informação sexual era igual a zero. Como qualquer miúdo pré-adolescente, tendo em conta as necessidades do corpo, apenas sentia que precisava de uma mulher para satisfazer o meu desejo físico e me libertar do incomodativo anátema de ser virgem. E para um miúdo de 14 anos que, tendo poucas amizades femininas, diariamente a trabalhar de manhã à noite, não era fácil. Nesta altura, por volta de 1970, havia uma Rua em Coimbra que, dizia-se, servia para iniciar os mais novos e alimentar o ego dos mais velhos. Era a Rua Direita. Nesse tempo, cheia de imensos cafés, quase todos imundos, onde imperava um ambiente fétido e um submundo de mulheres fáceis exploradas por proxenetas, o vulgo “chulo”.

Apesar de a prostituição, por Decreto, ter sido proibida por Salazar em 1963, a verdade é que, em Coimbra, estas “casas de passe” funcionavam naturalmente a menos de 100 metros de uma esquadra de Polícia. Porém, mesmo com esta possibilidade formal, havia um óbice intransponível: era preciso dinheiro e não havia.
Nesta época, a hotelaria era uma profissão essencialmente masculina. Os cozinheiros, os copeiros, os lava-pratos (praticamente não havia máquinas de lavar louça, ou pelo menos eram raras por serem muito caras), os empregados de balcão e de mesa eram sempre homens. Qualquer mulher que trabalhasse na indústria hoteleira era imediatamente conotada com a prostituição, ou, pelo menos, subentendia-se que se “portava mal” -este era o termo para mulheres de má-fama. Por incrível que pareça, aquele opróbrio discriminatório de conotar as mulheres trabalhadoras da hotelaria com a prostituição só veio a ser erradicado plenamente já na década de 90 quando a profissão foi dividida pelos dois géneros.
Por volta de 1970, tinha então 14 anos e uma vontade louca de estar, pela primeira vez, com uma mulher e perder o pesado estigma da virgindade, trabalhavam na copa do Mandarim duas mulheres de porte “assim assim” com cerca de quarenta anos de idade. Pelo menos, entre os empregados mais velhos, contavam-se grandes desempenhos sexuais acerca delas. Por conseguinte, como a necessidade obrigava, individualmente tentei que qualquer uma delas me tirasse “os três vinténs”. Uma, a mais esbelta, alta, de cabelos compridos, apanhados, com uns seios encantadores, foi peremptória: “nem pensar! Não desmamo crianças”. A outra, já de segunda escolha, mais baixa, mais usada e com muito menos encanto, já foi mais flexível: “por 20$00 “tiro-te os três” duma forma que nunca mais esqueces na vida”. Aos meus pungidos apelos de que não tinha esse dinheiro e precisava de estar com uma mulher foi insensível. “Nem pensar! Colegas, colegas, amor à parte! Sem dinheiro, nada feito”, respondeu. Dali não consegui nada.
Quase a fazer os 15 anos entrou para a copa (secção contígua à cozinha de um estabelecimento hoteleiro, onde se lavava a louça e se faziam sandes, torradas, cachorros) uma mulher de trinta e poucos anos, com uma pequena deficiência numa perna e que a fazia coxear. Logo no seu primeiro dia de trabalho, num assédio descarado, atirei-me a ela como cão ao bofe. Se numa primeira impressão, creio, ela devia ter achado graça e não ligou, numa segunda fase começou a sentir alguma piada em desmamar um miúdo. Passados poucos dias estávamos a dormir (como quem diz) juntos todos os dias. Foi um festim iniciático, pelo menos até o meu tio descobrir. Depois acabou-se. Mas pouco importava. Eu tinha sido armado cavaleiro. E de olhos abertos, já com um pequeno currículo e alguma experiência nas lides do amor, estava preparado para a vida. E parti para outras conquistas. 

Se fosse hoje, com um sorriso a envolver-me a face, tínhamos um caso de pedofilia na imprensa e um processo a decorrer na polícia e um julgamento no tribunal pré-anunciado.

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