(IMAGEM DO BLOGUE "PIOLHO DA SOLUM")
Quem esteve ontem presente no espectáculo da Lisboeta Mariza, no páteo das Escolas, na Universidade de Coimbra, presenciou um grande momento musical.
Na plateia, de um conjunto de milhares de pessoas, naturalmente, toda a fina-flor da cidade. Desde o Governador Civil, presidente da Câmara, até ao chefe de gabinete, todos, entusiasticamente, batiam palmas.
No meio de tanto fado de Lisboa, cantados no coração da Alma Mater, ninguém se apercebeu que a velha torre chorava. O primeiro lamento foi às 22 horas, logo seguido dos acordes de Mariza. Por entre trinados sofridos, envergonhada, a velha “cabra” pensava que estranha ousadia: “vir cantar o fado de Lisboa a Coimbra, mesmo no centro do meu coração. Arre! E todos os detentores de poder da cidade, na primeira fila, entretidos a bater palmas, nem por um momento lembraram a vergonha da Lusa Atenas ter um fado caduco, velho, mal explorado comercialmente, dentro de uma redoma de vidro, que a Academia, num bacoquismo pacóvio não deixa crescer”. Continuava a velha torre a pensar, “alguém se lembra, nos últimos 20 anos, de algum cantor de fado de Coimbra que transpusesse as fronteiras da cidade? Pois não! Se fizerem um esforço, virão os últimos moicanos: o “Zeca Afonso, O Adriano Correia de Oliveira, o Betencourt, o Machado Soares, o Rui Pato, etc. Uns, dos poucos, que apenas resta a memória, outros que embora vivos, já meios caquéticos, são apenas uns ícones de um tempo que passou. Que tristeza! E aquela gente toda entretida a baterem palmas! Todos têm responsabilidades, mas parece que tudo está muito bem. O paradigma do situacionismo foi o momento em que os antigos orfeonistas, juntamente com Mariza, cantaram “Coimbra é uma lição”. Essa é boa! Deveriam, antes, ter cantado Lisboa é uma lição”, continuava a pensar a velha torre, intervalada por uma lágrima furtiva. “E mais, continuava ela, após as 23 badaladas, se por acaso estivesse a chover e fosse preciso transferir o espectáculo para outro lado, para onde iria? Coimbra não tem uma sala de espectáculos em condições. Mas todos batiam palmas alegremente, tudo numa nice!” Continuava a pensar a torre cimeira da Alta de Coimbra, “ora bolas, é um desrespeito pela minha idade, afinal tenho muitos séculos. São lanças a mais, é Lisboa a espetar-me uma bem no centro do meu coração. Até aquele rapaz, do boné, o Tito Pariz, que por acaso até gostei de o ouvir, vem de Cabo Verde e espeta-me também uma lança de África, aqui no corpo do velho colonizador. Porra, para isto! Eu sei que estou melancólica, que querem?, se calhar é da idade!”
À meia-noite, mesmo contrariada, a velha torre, numa badalada sofrida e desenfreada, saudou a Mariza na despedida. Tinha sido um grande espectáculo. É uma pena Coimbra não aprender com Lisboa, “é uma pena não é?”, parecia interrogar-me. Então e eu sei lá? Eu nem sou de cá!
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