(SERÁ ESTA PONTE, QUE SE VÊ EM FUNDO, DA RESPONSABILIDADE DAS OFICINAS DE EIFFEL?)
Em anterior apontamento sobre Várzeas, a encantadora aldeia em que nasci, e lá permaneci até aos três anos, encostada como irmã siamesa ao Luso, falei do seu "ex libris": a sua ponte em ferro, que se ergue das alturas, construída, segundo se diz, pelo genial Gustave Eiffel –engenheiro francês (1832-1923), responsável pela construção da Torre Eiffel, em Paris e várias pontes no nosso país.
Porém, ao falar com a minha tia Anunciação, que vive há cerca de seis décadas em Várzeas, uma dúvida se me levanta. Segundo a minha familiar, esta ponte em ferro começou a ser construída, para substituição de uma anterior também em ferro, por volta de 1955. Veio a ser colocada no lugar da anterior, já montada, em 1958. Ora, atentemos nas datas, Eiffel morreu em 1923. Sendo assim como será possível esta ponte ser da sua responsabilidade? Provavelmente esta ponte seria da responsabilidade da empresa Eiffel, que o extraordinário homem do ferro criou em França. Ou não seria?
Posteriormente, através do meu amigo Alcides Rego, do Buçaco, vim a saber que a renovação desta (nova) ponte e outras da linha da Beira-Alta foram adjudicadas à firma alemã Fried Krupp Sthalban Rheinhausen por 45 mil contos. Estes trabalhos foram concluídos em 27 de Maio de 1958.
Depois há outros “senões”. Segundo a minha tia, “durante mais de três anos, largas dezenas, ou centenas, de operários alemães assentaram arraiais em Várzeas, com as suas potentes máquinas de “bate estacas”. Viviam em barracas de madeira junto à ponte em construção. Como não havia água canalizada, foi construído um grande poço, junto ao moinho de água, para abastecer os operários do ferro.
No anterior texto que escrevi sobre esta aldeia, salientava o facto assaz curioso de o lugarejo com pouco mais de seis dezenas de pessoas possuir, em fins de 1950, duas mercearias com taberna. Uma a do senhor Vieira e outra a do “ti” “Manel” sapateiro. Sei agora, depois de falar com a minha tia, que esta expansão comercial, tudo indica, se deveu à construção da ponte sobre a aldeia e aos inúmeros trabalhadores que, durante anos, ali se mantiveram, constituindo, por isso, uma mais-valia importantíssima na economia do lugar.
Continuando a citar a minha familiar, conta-me ela que, em finais de Julho de 1970, aquando da transladação do corpo de Lisboa para Santa Comba Dão, feita por caminho-de-ferro, Salazar, já defunto, passou por cima de Várzeas, pela ponte de ferro. Se este facto pode não constituir surpresa, já o que vou contar a seguir pode ser entendido como um facto curioso. Aquando da passagem do féretro, em direcção à sua terá natal do Vimieiro, nesse dia, esta minha aldeia encheu-se de milhares de forasteiros para ver passar a comitiva. Por outro lado, e também curioso, foram as dezenas de agentes da Guarda Nacional Republicana (GNR), destacados para a aldeia para fazer guarda aos “mirones”. Provavelmente, também, misturados na imensa prol de civis, dezenas de agentes da PIDE, à civil, a controlar e a prever alguma manifestação mais ousada e de índole comunista. “Se calhar estavam com medo que o atacassem e matassem outra vez”, remata a minha familiar num largo sorriso.
A verdade é que o comboio da morte anunciada de um sistema político já apopléctico, com uma carruagem inteira cheia de flores, sem paragem, passou “que nem um foguete” por cima da ponte e, para além de imensos lenços no ar a acenar ao ditador, com prantos e desmaios à mistura, não houve problema nenhum, e Várzeas, na sua pacatez, esteve à altura de tamanha solenidade.
Sem comentários:
Enviar um comentário