terça-feira, 6 de maio de 2008
UMA PAIXÃO DE USAR E DEITAR FORA
(Foto de Paulo Abrantes)
Paremos uns segundos a olhar esta foto. Em seguida, mentalmente, peguemos no Diário de Coimbra, de hoje, e leiamos o título deste jornal: “Namorado suspeito da morte de Patrícia –jovem de Sandelgas carbonizada dentro de um Mini Cooper.”
Nunca, como hoje, a paixão foi tão livremente publicitada. Comparando com tempos passados, verificamos que a “passione”, nos nossos dias, acompanha as tendências de mercado. Acabaram as tragédias shakspereanas de Romeu e Julieta, de Pedro e Inês, pelo menos, num final em que impera o ciúme e o sentimento de posse, paradigmatizado no pensamento “se não és minha não serás de mais ninguém. Hoje mata-se a consorte apenas e só para pôr fim a um a relação tempestuosa, onde já não há desejo, como vulgarmente se diz, já não “dá pica”. O amor, enquanto sentimento profundo de virtude, tornou-se numa coisa vazia e sem valor. Entrou-se no “fast-food” existencial do querer: se eu desejo, logo vivo, logo devo ter. Como a vida é curta, todos querem viver ao máximo este apetecer embrutecido e animalesco, gozando os prazeres da carne, sem entrar na alma do outro. Ou seja, contrariamente a outros tempos, quando o clique se dá, não é para começar uma relação, é para acordar e tomar consciência de que aquela “estória” acabou muito antes de ter começado. Foi apenas um ansiado desejo no momento da conquista, para, passado pouco tempo, esmorecer rapidamente. O amor de hoje mais não é do que um “usar e deitar fora”. O amor de hoje não é mais um “fogo que arde sem se ver”, como escrevia Camões no século XVI. O afecto amoroso de hoje é uma chama que arde, como vela que fenece, e se apaga com tempo determinado previamente. É como se o amor não passasse de uma picada ténue de um besouro chamado Cupido. É como se todos à partida soubéssemos que a história amorosa que se inicia tem início fulgurante, tem um pico máximo, tem decadência e epílogo final com morte anunciada. É um livro ou um filme em que se é parte do elenco. Umas vezes é um drama com rompimento de comum acordo, outras vezes, como no caso deste namorado que, presumivelmente, incendiou a namorada, com requintes de malvadez e desrespeito pela vida do outro. Então, como em tudo, para provocar o conflito interno, a catarse, a introspecção, naturalmente, interroga-se de quem é a culpa? E quem sabe responder? Se tudo é efémero, evidentemente que as relações não podem fugir ao modelo de vida dos nossos dias. O progressismo social, abrangendo o comercial e o político, que vivemos é um caterpillar que, sem dó nem piedade, enterra o ontem em obsessão. É uma espécie de “serial Killer” que mata apenas pelo prazer sádico de exterminar. Como se estivesse programado para “deletar”, para apagar tudo o que nos possa servir de referência e nos ajude a pensar. É como se, ao fazê-lo, ajustasse contas com um passado que lhe foi adverso e concorreu para a sua infelicidade. Por isso enterra tudo, as memórias dum passado que detesta. Este modernismo não gosta de tertúlias, não gosta da convivência humana. Cultiva o individualismo feroz e o ódio a tudo o que leve à projecção da história. Divide para reinar. É mais fácil convencer enquanto ser individualizado, do que sendo um colectivo forte e hermético.
Voltando ao casamento, enquanto união de dois entes, ora, a ser assim, seguindo o simplex do governo em relação à denúncia unilateral do divórcio, ainda que no limite do ridículo, começa a fazer sentido alterar o conceito cultural, religioso e civil de casamento. Este não é mais um negócio jurídico para a vida. A ser assim, faz sentido contratualizar, a prazo, o matrimónio. Na cerimónia católica, os noivos, em vez de soletrar: “eu, recebo-te, por minha esposa, e prometo ser-te fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida”, inevitavelmente, nesta última frase, em vez de “todos os dias da nossa vida, passará a pronunciar-se “durante os, um ano, três, cinco anos da nossa vida em comum”.
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