Os leitores de jornais diários, há cerca de cinco anos para cá, são surpreendidos, quase todos os dias, por suicídios. Até há bem pouco tempo era o Alentejo que, nas estatísticas fatídicas, detinha o infeliz recorde de maiores desistências de viver. Por razões sociológicas, já estudadas que terão a ver com o abandono da terra no após 25 de Abril e também pela introspecção anímica e elevada sensibilidade destas simpáticas gentes, que, um pouco por todos nós, têm sido, ao longo do tempo, alvo de jocosas anedotas. Mas se tivermos em conta que apenas se parodia o original e o diferente, logo se compreenderá este permanente olhar trocista e generalista, como se, através de um, fosse possível catalogar o todo.
Há cerca de dois meses, fomos todos surpreendidos pelo massacre colectivo de uma família inteira no Montijo. O homem, chefe de família, em profunda agonia financeira e subsequente depressão eliminou completamente a família e pondo, em seguida, termo à sua própria vida. Deixou espalhado na sala, a cobrir os corpos, cerca de 150 mil euros em notas. Como que a dizer-nos que pela conquista do dinheiro se vive desenfreadamente e por ele, quando nos falta para cumprir compromissos ou satisfazer vícios, de um estilo de vida anteriormente alcançado, se claudica, desistindo, preferindo morrer, sem apelo nem agravo, do que passar pela vergonha da necessidade sofrida.
Ontem, em Viseu, uma mulher de 40 anos matou os dois filhos e seguidamente pôs fim à sua própria vida. Atente-se nos requintes de crueldade e na forma primária como executou os filhos: um menino de oito anos, estrangulou-o; à filha de onze, cortou-lhe o pescoço com uma serra eléctrica de cozinha. Vale a pena pararmos um pouco aqui para reflectir. Uma mãe que extermina de modo sádico, selvático, animalesco e frio, entes que saíram do seu corpo, que eram carne da sua carne, respirar do seu respirar, tinha que estar no limite, no precipício, sabia que andar para trás não podia e a única forma de evitar um sofrimento continuado aos seus pequenos amores era levá-los consigo, e, pondo de lado a sua dor, lançou-se, juntamente com eles, no abismo profundo do desespero. Dizer, depois da acção, que o fez porque estava em profunda depressão, é pouco, é como se todos nós, tentando lavar as mãos da nossa responsabilização, passássemos a culpa para a depressão, porque esta tem as costas largas e assim todos poderemos dormir descansados.
Então, depois da apresentação destes dois casos como modelo, vamos todos tentar dissecar e analisar as razões objectivas que levarão estas pessoas a cometer estes actos tresloucados. Começaria pela observação antropológica do homem: o suicídio será um sentimento primário intrínseco, imanente à existência humana, como é o furto, a violência, o assassínio. Quem de nós, num determinado momento amargo da vida não pensou nisso que ponha o dedo no ar. Claro que, como nuvem negra em movimento e passageira, imediatamente é empurrada para os confins da mente e logo um pensamento positivo advém, assim com o a castração e auto condenação de nos termos, mesmo por segundos, deixado tocar pela desistência da vida. Não será por acaso que a religião católica-romana condena o suicídio, assim como as várias formas de aborto ou obstaculação de práticas que levem à limitação de gerar vidas. Ainda que nos custe a entender esta radicalização, parecendo que esta religião parou no tempo, a verdade, temos de constatar, é que a sua linha é pró activa da vida, em contraste absoluto com o desprendimento da pessoa humana seguido na ortodoxia Islâmica e muçulmana.
Depois desta análise antropológica passemos à política e social. A partir de 1986, ano da adesão de Portugal à então CEE, pelos imensos milhões em forma de subsídios, todos nós, mesmo sem o querermos, mudámos de um comboio periclitante e paupérrimo, de pouco consumo interno, para um trem de luxo em que nos habituámos a todas as mordomias e, pela abastança vinda de fora, a adquirir tudo o que nos desse na real gana. Uns chamaram a este comboio o trem do progresso e felicidade, outros, poucos, chamaram-lhe a longa marcha da utopia, ilusão de óptica ou quimera materialista. Os políticos partidários, embevecidos e apenas preocupados na sua eleição, todos empurravam o comboio. Na porta deste, era vê-los, de sorrisos rasgados, a convidarem o “Zé pagode” a entrar na viagem até ao oásis dourado. É claro que, como todos sabemos, não há almoços grátis, e hoje, duma forma cínica, fria e selvagem, são esses mesmos políticos, com cara de pau –para não dizer cara de cu, porque parece mal- que vêm pedir restrições e sacrifícios, quando, durante esses anos de purpurina dourada e rasca, gastaram à tripa fora e incentivaram o endividamento colectivo das famílias.
Julgá-los na urna do voto popular é pouco. Deveria ser criado um tribunal plenário, com processo sumário, para julgar estes malfeitores, deste genocídio colectivo, da alegria, do bom-viver e da felicidade. Se pensarmos nestas ofensas económicas e de gestão danosa de um país começamos a entender melhor as causas deste aumento assustador de suicídios. E, estou convencido, que não é maior porque o valor “honra” perdeu terreno a favor do “laissez-faire-laissez-passez”. Que não se culpe mais a desgraçada depressão, caso contrário, esta, no cúmulo, pode entrar em estado depressivo e…suicidar-se.
1 comentário:
Amiguinho, tudo o que dizes é bem verdade, mas não te esqueças que cada vez mais os nossos descendentes não aceitam as nossas recusas porque pensam que a vida continua como era há 10 anos atrás: sofrem eles porque não suportam uma pequena mudança de vida e sofremos nós porque não lhes conseguimos dar o que lhe dávamos antes.
E aí...tudo pode acontecer...quando se perde a força.
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