Depois de dias longos, plenos de luz e cor, prenhes de temperaturas quentes, vitalidade de mais um verão, que, pelo bem ou pelo mal, por uma recordação qualquer, ficou preso na nossa memória, pé-ante–pé, com sapatinhos de algodão, eis que, devagarinho, vai conquistando o seu território. Começa por cortar no “espaço” dos dias, tornando-os mais pequenos, mostrando-nos que tudo o que é longo, inevitavelmente, tornar-se-á pequeno. Depois, vai impondo um progressivo calor tépido e mais frio, como a sensibilizar-nos para a necessidade de tomar atenção de que os calores não são eternos, e a seguir a um período “caliente”, inexoravelmente, virá um frio de rachar.
Aí está o Outono. Depois de um revestimento de verde, como plumas a cobrir uma ave exótica, as árvores do nosso encantamento vão ficar despidas. Iremos, quase sem querer, numa qualquer avenida, chocar com uma folha amarelecida, que, antes de outras que se lhes irão seguir, tendo-se desprendido dum qualquer ramo, de um qualquer plátano, esvoaça ao vento, ziguezagueando, por entre transeuntes, uns mais apressados, que irão pontapeá-la ou pura e simplesmente ignorá-la, e nós, feitos poetas de ocasião, segui-la-emos, e nela, prendendo o nosso olhar, gostávamos de se deixar ir, ao sabor do vento e de um tempo impreciso e ocasional. As andorinhas, feitas viajantes pela força da natureza, começarão a fazer as “malas” e, sem desgostos ou frustrados desenganos, abandonarão os seus beirais, que durante escassos meses, foram os seus lares e ali assistiram ao nascimento dos seus filhos. Nestes ninhos deixarão mil recordações, mas mesmo assim, com o mesmo chilrear, com a mesma alegria, aceitando esta partida como natural, como uma partilha que irão levar aos povos do norte de África. Para a próxima primavera, sem lamentos, aí estarão elas, novamente, pujantes de força, e refarão os berços dos seus novos filhos e comporão as suas vidas.
Assim é a nossa vida. Tão cheia de calor como um verão, teremos, inevitavelmente, períodos frios, mas, como na natureza, as temperaturas quentes retornarão. E, se por motivos imponderáveis, nos tornámos andorinhas, aceitemo-lo, com a mesma naturalidade com que estas acolhem o seu destino fatalista. Não tenhamos medo de voar em frente. Quem sabe se no norte não estará um outro futuro sorridente. Porque haveremos, acomodados, de ter medo do desconhecido e de abandonar o nosso beiral? Serão apenas as recordações que nos prendem? Valerá a pena continuarmos no aconchego cómodo do ninho, mesmo não nos sentindo amados e pouco reconhecidos, só porque tememos os ventos desconhecidos do incerto? Porque não voarmos até ao norte? Se não nos dermos bem, com a mesma certeza de que amanhã será outro dia, no próximo ano haverá outra primavera e, certamente, como as andorinhas, começaremos de palha em palha a construir um outro ninho.
A natureza é tão pródiga nos ensinamentos e nós, como folha que esvoaça ao vento, sem se preocupar onde vai cair e sem olhar em redor, como invisual que vê mas não quer ver…não vemos.
1 comentário:
Olá Luis!
Espero que esteja tudo bem contigo.
Sempre que posso, passo pelo teu blog e leio atentamente as tuas palavras/desabafos. GOSTO da escrita! da sensibilidade, da ironia, da mensagem... Continua...SEMPRE! Pois, terás em mim, uma leitora assidua e interessada.
Um abraço
Graça
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