sábado, 19 de novembro de 2022

A RAPARIGA QUE ESCREVE CARTAS DE AMOR

 




"Todas as cartas de amor são ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas". Quem o escreve é Álvaro Campos, o heterónimo do português Fernando Pessoa. E "se há amor", dizia, então "tem de ser". A primeira escrita pelo poeta foi a 1 de março de 1920, dirigida a "Ophelina", uma menina de 19 anos, Ofélia Queiroz, in DN"


Quando pensamos em cartas de amor, sobretudo os nascidos das décadas de 1950/60, somos remetidos para um tempo em que a comunicação se inclinava unicamente para a missiva escrita manualmente e remetida através dos CTT, Correios e Telecomunicações de Portugal. É certo que havia o telefone fixo, mas, sendo um instrumento demasiado oneroso para a maioria, estava colocado na venda, na mercearia e taberna da aldeia, o chamado "posto público". Alegadamente, o merceeiro, por cláusula contratual, estava obrigado a chamar qualquer pessoa solicitada através do aparelho analógico. Porém quando se apercebia que era para namorico o visado nunca estava em casa. Por conseguinte, o único meio de comunicar entre namorados era a carta. Colocada dentro de um envelope e com o respectivo selo, levava no cabeçalho esquerdo o remetente e no frostispício direito, com letra mais saliente e bem desenhada, o endereço do visado, receptor, a quem se destinava.
Nos dias que correm, porventura, ninguém escreverá cartas de amor em papel. Hoje, as cartas de amor manuscritas, sobretudo se forem de alguém famoso, podem valer uns milhares de euros - basta lembrar que, soubemos esta semana, as cartas de Bob Dylan, enquanto jovem, cantor norte-americano e prémio Nobel da Literatura, vêm para Portugal pelo valor de um pouco mais de 500 mil euros.
O telemóvel, através de mensagem, de voz e escritas, e o mail vieram arrumar completamente os anteriores instrumentos de comunicação, nomeadamente o postal e a carta.
Mas há um outro meio que, curiosamente, é menos utilizado para expressar o que mais profundo transborda do coração: as redes sociais. Quem o faz, talvez para não se sentir fragilizado pela exposição, fá-lo em mensagens curtas e precisas.
Mas há quem não se importe de confessar o seu amor perdido, ou por ser trocado, ou por linhas que o destino traçou, em sucessivas publicações.
A sua correspondência, plasmada na sua página do Facebook, dirigida ao seu apaixonado é plangente, com um sofrimento bem vincado em palavras de poetiza melancólica, com dores a escorrer do peito como fio de água límpida a escorrer da cercania.
Os seus gritos silenciosos, em anémico estertor, podem mostrar a sua alma carecente: "Sinto um vazio em mim, uma parte de mim foi-se, morreu e tão cedo não volta..."
Como podem ser objectivos: "Quando deito a cabeça sobre a almofada, lá vens tu invadir os meus pensamentos, por mais que os queira afastar, tu ficas, tu permaneces neles até eu acordar".
Podem ser de uma ternura incomensurável: "Sempre te amei desde o primeiro dia em que te vi, desde que te dei o primeiro abraço, o primeiro beijo, tudo, desde o dia em que fomos apanhados pela tua mãe à saída de tua casa e eu envergonhada, sem saber o que dizer, tentei manter-me calada para não dizer nenhum disparate".
Podem fazer transparecer uma saudade que teima em marcar o tempo: "As nossas conversas, as nossas discussões que acabavam sempre com um abraço como forma de pedido de desculpa, as tuas piadas que nem sempre tinham piada, mas que despertavam em mim o meu lado mais divertido (...)".
Pode ser uma ponte de esperança imperativa no futuro que é já hoje: "Por favor pensa, eu estarei aqui à tua espera".
Como escreveu Fernando Pessoa: "Todas as cartas de amor são ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas".
Mas isso, por acaso, importa alguma coisa? Uma carta de amor pode servir de catarse, uma purificação da alma.
Um enorme abraço apertado para quem escreve e despeja as lágrimas sentidas.

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