segunda-feira, 13 de maio de 2019

BAIXA: CRÓNICA DO MALHADOR (6)

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)



Com uma hora e trinta e cinco minutos de atraso em relação ao horário regimental, que está plasmado para as 17h00 e começou às 18h35, apresentei à discussão camarária o “Abaixo-assinado” subscrito por 37 pessoas, vendedores de velharias e simpatizantes, a solicitarem o regresso à Praça do Comércio.
Depois de lida a moção, no final, Manuel Machado, presidente da Câmara Municipal de Coimbra, afirmou: “A Praça do Comércio vai entrar em obras. Depois se verá!


Ex.mo Senhor Presidente da Câmara, Senhores vereadores, meus Senhores e minhas Senhoras:
Começo com uma ressalva: mais uma vez a reiterar um censurável hábito que caminha para costume, a última reunião de Câmara foi adiantada das 17h00 para as 12h00 e, repetindo o procedimento, não fui avisado. Especulo, o objectivo deste continuado “esquecimento” tem uma intenção: levar ao cansaço e à minha desistência. Quero dizer-lhe senhor presidente, Dr. Machado, que, pelo contrário, esta sua alegada deriva autoritária fortalece a minha legitimidade para prosseguir no cumprimento do dever de cidadania. Quero dizer-lhe ainda que, e não esqueça, mesmo sem credencial, em analogia, represento o cidadão comum e, por este facto, deveria merecer da sua parte uma outra compostura.
E agora vou à questão principal que me leva a intervir. Venho falar de um abaixo-assinado, subscrito por 37 pessoas, com a maioria dos vendedores e alguns simpatizantes, para que a Feira de Velharias, a decorrer actualmente no Terreiro da Erva, volte novamente à Praça do Comércio, ruas e largos adjacentes, tal como se faz com a feira de Artesanato Urbano.
A Feira de Velharias começou na Praça do Comércio como uma intenção meramente sócio-cultural em 22 de Junho de 1991, na sequência das actividades de final de ano escolar da Escola Silva Gaio, com a designação de "Feira de Trastes". Teve a vontade férrea e o apoio declarado de Carlos Dias, o nosso decano do adelo, com o saudoso “Velhustro”. Face ao êxito alcançado, o executivo municipal em reunião de 5/7/1991, deliberou dar-lhe continuidade. Nessa altura a comissão de feira era constituída pelas seguintes entidades: Câmara Municipal de Coimbra/Departamento de Cultura; Junta de Freguesia de São Bartolomeu; Polícia de Segurança Pública; Escola C+S Silva Gaio; GAAC, Grupo de Arqueologia e Arte do Centro; e "O Velhustro".
Este prestigiado certame, que chegou a ser o mais importante da região centro, nos últimos vinte anos esteve sempre a funcionar em auto-gestão. Sem uma necessária orientação camarária, sem regras definidas, sem publicidade nas vias principais, sem lugares pagos e marcados a dignificar a sua função cultural, paulatinamente foi-se assistindo à diminuição de participantes. Com um universo de mais de uma centena de ambulantes em 2000, chegámos a 2018 com seis dezenas. Ou seja, enquanto outras cidades, como Aveiro por exemplo, aproveitando a sua dinâmica, faziam crescer o número de expositores pelas ruas do seu Centro Histórico, em Coimbra, num desleixado atentado ao conhecimento dos vindouros, encolhia a olhos vistos. Em busca de uma gratidão que nunca verão, sem remuneração assegurada, muitos destes singulares animadores sociais deslocam-se à cidade vindos de longe. Como actores de um espectáculo importante na movida das urbes mas que, por não apresentar custo para o erário público, não se dá valor e cujo esforço reverte exclusivamente para os políticos da terra, num calculismo indecente, são ostensivamente desclassificados e maltratados.
Sem preocupação alguma pelo respeito que lhe é devido pela conservação da memória e preservação da história, em Julho do ano passado, numa medida camarária de absoluta prepotência e desprezo pelos interessados, a Feira de Velharias foi inopinadamente transferida para o Terreiro da Erva. Resultado desta irresponsabilidade, apenas cerca de vinte comerciantes de antiguidades e velharias aceitaram ser tratados como animais amestrados ao serviço do amo. Destratados, arrumados como monos num local ermo, fechado, sem centralidade, sem árvores de sombra, com uma canícula de rachar no Verão e um frio polar no Inverno, sem casas-de-banho, sem a mínima comodidade de incentivo, estes vendedores, através desta subscrição, pugnam pelo regresso de uma dignidade que viram despromovida e uma obrigatória declaração de mérito cultural.
Desde que a Feira das Velharias saiu da Praça do Comércio, toda a área comercial envolvente se ressentiu. Constituindo este mercado, no dia da sua realização, um importantíssimo motor de revitalização para toda a Baixa, com a sua saída do berço que a viu nascer, ficou mais pobre e desertificada.
Senhor presidente, embora adivinhe que só por milagre arrepiará caminho uma vez que não tem qualquer estratégia para esta zona velha - e este caso da Feira de Velharias é bem o paradigma da sua forma de governar a cidade: o quero, posso e mando - mesmo assim, sem esperar muito, continuarei a malhar em defesa da razão. Fazendo jus à sensatez, quer provar que estou enganado?

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