Viva, meu caro amigo, Carlos Clemente. Como sabe, sou um pequeníssimo comerciante da Baixa de Coimbra. Não fora o facto de escrever textos de opinião, estou convencido, não teria qualquer significância no restante quadro profissional e social. Quero dizer que se não fosse o facto de escrever –o que me confere uma responsabilidade acrescida, no sentido em que me obriga a ser honesto comigo e com quem me lê- seria apenas mais um cidadão perdido entre os demais.
Antes de lhe expor o meu pensamento gostaria de lhe dizer que explanar esta pequena carta talvez seja do mais difícil que fiz até hoje. É daqueles actos pragmáticos, antecedidos de catarse, que se uma pessoa faz fica aborrecida, mas se não faz igualmente fica na mesma. Ou seja, fica-se sempre pendurado de qualquer maneira. Aposto que estou a ser misterioso e o amigo ainda não entendeu onde quero chegar, mas, já agora, tenha lá paciência, aguarde um pouco a sua impaciência.
Como todos sabemos há pelo menos três situações em que qualquer homem é corruptível: perante o dinheiro, a beleza de uma mulher e a amizade. Neste caso em que me ancoro da amizade, pomposamente, chamam-lhe lealdade.
Hoje fui confrontado com este sentimento e com toda a força do seu conflito. Como está bem vivo na sua memória, durante a manhã, foi o amigo homenageado na Junta de Freguesia de São Bartolomeu, cuja presidência lhe cabe há quase três mandatos, isto é, mais de uma década. Por proposta de Jorge Neves, foi desferida uma placa alusiva com o seu nome a baptizar a sala de reuniões.
Não foi merecida? O amigo é ou não é um autarca modelo? Não é certo que quando é preciso colocar os “pontos nos is” na Assembleia Municipal, seja lá sobre o que for e diga respeito à Baixa, o camarada lá está a mandar o “grito de Ipiranga” para que todos, lá no hemiciclo, tomem atenção à sua indignação? Não é verdade que se for preciso se mobiliza pelo Chico “pelintra” da Rua do Volta Atrás ou da Dona Efigénia, proprietária abastada, da Rua Larga, desde que entenda que é por uma questão de justiça? A todas estas interrogações respondo com afirmação. O amigo Clemente mereceu e continua a justificar qualquer homenagem.
Acredito que estará cada vez mais baralhado e não entende onde quero chegar. Só mais um pouco, se faz favor. Tenha lá paciência que eu sou um bocado lerdo a projectar o pensamento em palavras.
Continuando, o que me levou a escrever esta pequena missiva foi o facto de ter estado a assistir à cerimónia, hoje, na junta de freguesia a que tão bem e ajuizadamente preside. Desculpe o meu desabafo, mas foi simplesmente patético o que se lá passou na sede. Juro que, durante o desenvolvimento, dei por mim, a pensar: “que pena o Clemente ter morrido, era tão bom rapaz!”. De repente, como acordando de um transe, olhava para o lado e lá estava você vivinho e fresco sob os auspícios do retratado Cavaco Silva na parede. Não sei se me entende, mas os discursos eram tão… tão… lamechas! Tão de “fenéreo”, está a ver? Pareciam aqueles encómios de encomenda para alguém que partiu. Foi triste. Com toda a franqueza, não gostei. O amigo Carlos Clemente não precisa de uma cerimónia destas para lhe levantar o ego. O amigo é bom naquilo que faz e, quanto a mim, deveria bastar.
Não sei mesmo se já estarei a ser um pouco mais claro, mas o que quero dizer é que todo este cerimonial passou das marcas. Poderia e devia ser uma coisa simples. Uma mera celebração intimista. Todo este folclore, a meu ver, foi desnecessário e passou do admissível. Sem o querer ser ou parecer, foi campanha eleitoral antes do tempo.
2 comentários:
Eu sou defensor de homenagem em vida e em pleno exercício de funções, depois da morta até o maior canalha passa a Santo.
Tenho a consciência que sou o responsável desta justa homenagem ao Carlos Clemente, mas o maior responsável por esta homenagem é o Clemente por todo o seu trabalho na Junta de Freguesia.
Quem se destinge pela positiva em vida deve ser distinguido também em vida.
Estive quase a fazer parte da Assembleia de Freguesia nas ultimas eleições mas o destino aliás os votos não chegaram.Concordo com a homenagem ao Presidente da Junta mas podia ser um pouco mais modesta a cerimónia.
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