segunda-feira, 14 de novembro de 2011

UM SISTEMA BRUTAL E ATENTATÓRIO

(RETIRADO DA WEB)




 Neste último fim-de-semana fui presenteado com uma carta registada da Ascendi –empresa concessionária das ex-Scut, auto estradas sem custo para o utilizador. Mesmo antes de abrir o envelope, quando li o remetente, pressenti logo que ali vinha beliscão ou canelada.
Ao ler a comunicação da Ascendi, fiquei a saber que em 23 de Janeiro de 2011 -10 meses depois, portanto- a minha viatura teria circulado na A25, no percurso entre Angeja e Esgueira, e eu não teria pago a respectiva portagem, que seria de 1,45 euros. Como não saldei, agora a liquidação, e antes de ser ampliada várias vezes no caso de não pagamento voluntário, será de 3,54 euros.
Hoje, durante a manhã, liguei para os serviços da empresa. Depois da incómoda gravação em que “para um atendimento mais rápido, pedimos-lhe o motivo da sua chamada. Se a sua ligação é por A, carregue na tecla 1, se é por B carregue na 2, se é por C, carregue na 3, se pretende falar com um assistente carregue na 4” lá cliquei na última para falar com um assistente. De escassos em escassos segundos recebia a seguinte mensagem: “ainda não nos foi possível atender a sua chamada, se pretender enviar-nos uma gravação e em que será contactado em 48 horas, clique a tecla 1, se pretender aguardar por um assistente clique na tecla 2”. Estive alguns minutos a aguardar a voz pessoal do auxiliar. Garanto que cliquei várias vezes a insistir em falar pessoalmente com alguém do outro lado. Perante a repetição levada ao extremo, de talvez de 20 em 20 segundos, “ainda não nos foi possível atender a sua chamada, se pretender…”, várias vezes me apeteceu desistir do propósito. Até que finalmente fui atendido por uma operadora.
Fiquei então a saber que, na data indicada, ou seja 10 meses antes, a minha viatura circulou numa via de pagamento electrónico e, nas 48h00 subsequentes, eu não efectuei o pagamento voluntariamente. Argumentei que, se de facto lá passei mesmo –porque não me lembro- não me apercebi da indicação de circular em via onerada. Respondeu-me a funcionária da Ascendi que a indicação está lá à entrada da A25. Segundo o seu relato, “o facto de o senhor não se ter apercebido é normal, a maioria, sobretudo quem não conhece não se apercebe. Recebemos imensas reclamações deste facto, sobretudo no grande Porto. Mas o desconhecimento não desobriga”, sentenciou. De pouco valeu argumentar que se eu desconheço a obrigação como posso cumpri-la? “Pois –enfatizou-, mas não podemos fazer nada, tudo isso tem sido veiculado pelos jornais”. Mas eu leio vários jornais por dia, contrapus, e, mesmo com essa informação, o meu conhecimento das áreas oneradas será sempre deficiente. O que, em síntese, estará de ver que, para quem entra nestas zonas de pagamento automático e se não sabe, os painéis de aviso, sobretudo para quem desconhece, não cumprem integralmente a sua função. “Pois, voltou a refutar, mas nós não temos culpa da sua falta de atenção, mas ainda lhe digo mais tem aqui outra do mês passado, na zona do Porto, em que também não cumpriu a obrigação”, retorquiu a funcionária.

Ora perante este facto tão, tão, inconsequente deixo algumas interrogações no ar:

1-E se alguém estiver abusivamente a utilizar a minha matrícula? Como é que posso defender-me?

2-Apesar de saber que, no Código Civil, o desconhecimento da lei não escusa, ou seja, não desonera o ignorante, perante este facto há qualquer coisa que extrapola a minha compreensão. Como pode o legislador autorizar alguém, neste caso a Ascendi, a cobrar uma portagem com base numa simples informação em painel publicitário? Não vou discutir aqui se as ex-Scut devem ou não serem taxadas. O que está em causa é a FORMA de cobrança e não a SUBSTÂNCIA que lhe deu origem. O que ponho em causa é se, uma vez que este desconhecimento leva ao pagamento de duas vezes e meia a mais, estaremos perante um procedimento cordato e de acordo com as regras éticas e da boa-fé que devem estar subjacentes a todos os negócios jurídicos. É certo que estaremos perante um contrato público, através da nomeação de uma entidade pelo Estado para efectuar a cobrança de um determinado serviço prestado, mas será que esta entidade, a Ascendi, para cobrar o serviço não está obrigada a fazê-lo de forma clara e transparente?

a) -Será que, com este duvidoso e aparente viciado sistema de cobrança não estará a violar os princípios do contraditório, da boa-fé, da transparência e da obrigatória informação, “in casu”, ao consumidor, seu cliente e utente?

b) –Será que esta deficiente informação –que provoca objectivamente o desconhecimento da obrigação-, ao consumar uma coima que é gerada na própria ineficiência da empresa, não está a contribuir para um enriquecimento sem causa e eivada de especulação?

3- Porque razão não está obrigada a Ascendi ao mesmo processo de pagamento nas auto-estradas e exploradas pela Brisa? Ou seja, a colocação de barreiras e máquinas –deveriam ser pessoas- cobradoras da passagem?

Quando o legislador é conivente com estas trapaças onde ficam os direitos do cidadão comum? Resta-lhe ser violado, violentado, assaltado de forma “lícita”? 
Para onde caminhamos?

(ESTE TEXTO FOI ENVIADO PARA O PROVEDOR DE JUSTIÇA, ALFREDO JOSÉ DE SOUSA)

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