sábado, 2 de outubro de 2010

A MULHER QUE GOSTA DEMAIS DE MOURINHO

(IMAGEM DA WEB)


“Olhe aqui os meus álbuns de recortes que tenho sobre o Mourinho”. E mostra um, dois, três, oito, uma dúzia. Pega neles da mesma forma, com o mesmo carinho, que uma mãe pega num filho recém-nascido. “Tudo o que é notícia na imprensa, e desde que eu tenha conhecimento e possa adquirir, recorto tudo e guardo. Gosto muito dele. É um bocado arrogante, eu bem sei, mas que se há-de fazer? Cada um com seus defeitos. Mas eu gosto muito deste homem.”
Imagine que eu era o Mourinho –interrogo em provocação- o que fazia?
“Nada”, responde-me com convicção. “Gosto dele apenas como pessoa, como modelo de homem, de vencedor. Só isso! O resto, para o ter comigo, não quereria. É a sua imagem que me fascina…simplesmente! Ocupa-me o meu tempo. Quando estou a recortar revistas na mesa da cozinha, com a luz a incidir sobre o que estou a fazer, relaxa-me profundamente. Sempre fui um pouco depressiva. Eu sei que este meu jeito de agir, compulsivo, é para preencher um vazio que sinto na alma, cá dentro –e leva a mão ao peito. Ao longo da minha vida eu já coleccionei quase tudo, fósforos, rótulos, calendários, moedas, selos. Eu sei lá que mais! Mas desde sempre entendi esta minha necessidade de me ocupar com alguma coisa. Sempre compreendi que estas pequenas coisas eram uma fuga, um tapar de um buraco negro, o preencher uma carência de afecto. Tudo reside nos afectos. Senão o recebemos quando devíamos -provavelmente na infância e depois mesmo na adolescência- andamos ao longo da vida como vagabundos errantes à procura…de algo…que sabemos o que é…mas nunca encontramos. É uma errância louca. Só quem sabe e sofre desta falta que nos corrói a alma, sente e pode saber o sofrimento que nos arrasta pelos caminhos da existência como se fôssemos famintos à procura de uma côdea. É uma chaga que temos no espírito, que não sara nunca. Podemos fazer tudo para acalmar a sua dor, mas ela não parará jamais de lacrimejar. Olhe os meus olhos. Olhe bem no fundo. O que vê? Tristeza, não é? É essa a marca da alma de quem sofre de carência de afecto. Está a ver ali aquela fotografia? Eram os meus pais. Conheceu o meu pai? Ele era muito conhecido aqui na cidade. Trabalhava ali, naquela grande empresa. Está ver onde é? Ele era muito deprimido. Chegou a apanhar choques eléctricos na cabeça. Isto no tempo em que o tratamento era feito assim. E a minha mãe? Olhe ali…tem um ar muito triste, não tem? Era também muito propensa à depressão. Já vê, isto é genético. Como é que eu poderia sair diferente? Depois também tive azar. Casei com um homem seco, sem coração, sem sensibilidade, você entende? Nunca tive um carinho…nada! Aprendi a viver assim. O que me vale é a minha filha, o meu tesouro! Mas sabe que ela também é muito depressiva? E acredite, não é por minha culpa. Dei-lhe sempre –e continuo a dar- todo o amor que tinha e não tinha. Isto é hereditário, sabe? Custa muito vivermos com este sofrimento. Mas, apesar de tudo, já me habituei, eu vivo bem, acredite mesmo. Em sei que estas coisas, agora do Mourinho, são um refúgio, uma compulsividade, mas que importa? É preciso é que continue a caminhar, é ou não é? Afinal, vendo bem, todos temos que nos agarrar a algo, não concorda? Uns vão para a religião, outros para o jogo, outros para a escrita, outros para o sexo, outros para o álcool. O que é preciso é não nos deixarmos dominar por estas coisas. Ou seja, viciarmo-nos e depois o vício, na adição, passar a tomar conta de nós. Isso não. O que é preciso é não perdermos o controle sobre o que nos dá prazer. São muletas que nos ajudam a viver. Está a entender não está?”

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