domingo, 10 de outubro de 2010

MÃE: AS PALAVRAS QUE NUNCA OUVIREMOS

(IMAGEM DA WEB)











 Estás deitada na cama do hospital. Pouco falas. Pouco ouves. O teu rosto, apesar da impotência de te poderes locomover, apresenta uma serenidade palpável. De vez em quando os teus olhos negros rodam em volta e cravam-se nos meus. Os lábios como descontrolados de uma vontade que não obedece parecem mover-se em busca de uma palavra que não sai. Ouve-se o ruído “stá…stá”, da língua a bater no céu-da-boca, como se em apelo andasse perdida em busca de sons.
O teu braço, fininho, estendido em descanso sobre a colcha alva, vai desaguar a uma mão seca de pele rugosa, como rugosa foi a vida que levaste até chegar a este leito de hospital.
São 20H15, o altifalante da enfermaria, numa feminina voz impessoal, alerta para os senhores visitantes de que a hora de visita terminou há um quarto de hora atrás. Levantaste a mão desnuda de carne, onde as veias, como linhas pretas num tecido branco, teimam em salientar-se, e, quem sabe em socorro, chamaste: “Toino…Toino!!”. Aproximei-me. Mais uma vez, espetaste os teus olhos negros nos meus. Agarrei a tua mão e apertei, fundindo-a por dentro da minha. Mais uma vez vi os teus lábios a baterem um no outro e o som vazio de nada, porque de nada foi o teu sonho, e fixei os teus olhos à espera que dissesses alguma coisa. Sei lá, fiquei preso na tua boca, nos teus beiços sem cor, talvez suspenso, imaginei que dissesses: “filho, desculpa, sei que nunca te dei carinho. Nunca te abracei naquele gesto profundo que simboliza a ligação umbilical entre parideira e nascituro. Tenho muita pena, filho, mas sou o resultado do tempo, daquele tempo desgraçado, que transformava o nosso coração em pedra dura da pedreira. Sei que não te amei como devia, mas agora é tarde, muito tarde, meu amor!”.
 Por outro lado, dei por mim a pensar que, se me pudesses ouvir, talvez te pedisse perdão. Talvez eu não te desse todo o amor que um filho deve dar a uma mãe. Dir-te-ia que há muitos anos deveria ter quebrado aquele vidro invisível. Aquela barreira que me lembrava sempre que nunca me deste um abraço ou um beijo carregado de sentimento, como de sentimento é o amor entre filho e mãe, e que evitava que me aproximasse de ti e me sentisse carne da tua carne. Tenho a certeza que não fui nunca justo na compreensão da tua forma de ser. Eu que tanto apregoo para os outros a tolerância, contigo, talvez porque sempre achei demasiado duro esse corte de nunca me abraçares e me sentir protegido acabei por gravá-lo na alma. Quase sem o querer, num automatismo impressionante, nunca empreguei a sério esta necessária capacidade de absolvição para ti.
Na maioria dos casos, não somos o que gostaríamos de ser, nem gostamos do que somos. Somos apenas um resultado possível, numa existência ocasional, onde o dia-a-dia do presente tem sempre como referencial o passado. O futuro, em princípio, será sempre a soma destas duas parcelas, tal-qualmente, como as marés estarão sempre ligadas à Lua.
Vamos deixar a culpa de lado. Foste o que foi possível, dentro do contexto da época. Estás perdoada, mãe. Eu fui o que fui, sou o que sou, e pronto! Paciência. Vamos ficar em paz, mãe!

1 comentário:

Anónimo disse...

É um lugar comum,mas mãe há só uma,não é Luís?Com todas as virtudes,mas também com todos os defeitos.Por vezes demasiados e imcompreensiveis numa mãe.Por muito que nos custe admitir,nem a nossa mãe é perfeita.É portanto o somatório dessas qualidades e imperfeições pessoais,que tornam a nossa mãe única.Resumindo,Mãe há só uma!
Marco