“Os senhores não resolvem o meu problema e eu vou para a Televisão. O senhor vereador não se ria, que eu não tenho medo do seu sorriso…”-assim se expressou, em tom de desafio, um munícipe, inconformado pela impossibilidade de o poder executivo autárquico, em tempo útil, lhe dar solução ao seu problema, na última reunião do executivo camarário, em Março de 2008, de Coimbra.
Este munícipe paradigmatizou ali, naquele acto simples, por um lado, o desânimo profundo que lhe inspira um poder político acomodado e desnorteado que, obrigatoriamente, lhe deveria encaminhar os seus pleitos e não faz, e, por outro lado, transfere a sua esperança para um ilusório poder, os media. Embora desconheça se todas as suas “orações” serão atendidas, tem profunda fé que a sua voz suplicante se fará ouvir e porá em riste, sobre estas cabeças incumpridoras, uma espada de Dâmocles, cujo estigma suspensivo obrigará, através de uma opinião pública pouco interventiva, mas castradora na hora do voto, aqueles a saírem da sua inércia e apatia de serviço público.
É muito mau quando um cidadão, para fazer valer os seus direitos, tem de recorrer, ameaçando com chantagem, a uma alavanca, neste caso a imprensa, porque as vias institucionais não funcionam. A imprensa hoje está transformada em tribunal de opinião pública, com todos os malefícios que esta delegação de poderes acarreta.
O problema é que pela recorrência constante, este deus, castigador dos maus políticos, de folhas secas ou joio de um trigo que se queria limpo, está a tornar-se cada vez mais selectivo e autista aos problemas prementes do cidadão. Este deus pregador de violência, por força de tanta oferta, já só dá crédito ao mais aberrante. Já não é notícia o assassínio de duas pessoas. No mínimo terão de ser vinte. Então interrogamos: depois desta total impossibilidade de recurso a este meio, a quem vai apelar o individuo membro de um Estado que se diz liberal e democrático? E é aqui que devemos parar para pensar. Certamente, no limite, em desespero, o vitimizado pela ineficácia e inépcia da justiça dos homens, passará à acção directa e, pelas suas próprias mãos, fará a sua própria justiça pessoal. Ou então, no horizonte futurista, surgirá um quinto poder, tomando o lugar deste quarto que é a imprensa. Se assim não acontecer a violência individual sairá das amarras, do interior de cada um de nós, e levará tudo à frente como único e último recurso e cairemos no caos.
O jornalista, a bem da sua continuidade, não pode perder (não devia) o estatuto de denunciador público de pequenos e grandes abusos de facto e de direito. O busílis da questão é que a imprensa, na sua evolução natural, cada vez mais se vira para o grande escândalo e esquece que é o canal eleito, em recurso, de um público mal informado, aviltado e ofendido na sua dignidade formal e material.
Os políticos de hoje, contrariamente aos cidadãos, tornaram-se estáticos, acomodados, ultrapassados, e, ao mesmo tempo, resignados. Eles sabem que o seu prazo de validade é de apenas 4 anos. E, assim sendo, tornam-se ensimesmados, alheados do real, e surdos aos apelos de um cidadão cada vez mais informado e que, aos poucos, vai perdendo o medo de falar. Embora, este mesmo cidadão, já há muito se apercebesse que num sistema político onde todos querem falar, opinando e reivindicando –cada um mais alto que o outro- é difícil fazer-se ouvir. O peso da opinião ou reivindicação é residual e vale apenas proporcionalmente ao estatuto do “opinador” e pouco pela justeza da reivindicação manifestada, sobretudo, se se tratar de um qualquer anónimo. É mau? É bom? Isso ficará ao critério de cada um. Quanto a mim creio que é péssimo.
É uma consequência da liberdade. Todos falamos, todos escrevemos, na esperança de que alguém nos ouça, ou nos leia. Mas, em verdade, ninguém nos liga népia, tenhamos consciência dos tempos que correm. Daí o sorriso do vereador, no início do texto. E de que riria ele? Não seria exactamente desse facto?
Estranho castigo este se tivermos em conta que uma das maiores conquistas conseguidas ao “Ancien Regime”, o Estado Novo, foi precisamente a liberdade de expressão. Então pergunta-se; de que vale a liberdade de nos podermos exprimir se ninguém nos escuta ou “passa cartão”? E o mais grave ainda é a hipocrisia, mal fingida, de fazerem que nos escutam, quando pelo sorriso de hiena nos seus rostos, sabemos que o que lhes dizemos entra, nos seus ouvidos, a 20 e sai a 100.
Os políticos têm de mudar? E só eles? E nós não? Todos. E com grande urgência, remato, na minha qualidade de analista de ocasião. É previsível e exigível que todos e, de sobremaneira, os gestores da polis falem verdade na totalidade? Penso que não. Apenas lhes devemos exigir o mínimo de alteridade. Afinal a política –ciência e arte da promoção da justiça, da igualdade e da fraternidade, e do convívio social- é um “produto” sujeito às regras do mercado publicitário, como um outro qualquer. Todos sabemos que quando adquirimos aquela pasta de dentes, da marca x, não nos vai pôr os dentes tão brancos como no spot televisivo, mas, em princípio, através da sua utilização, não nos irá fazer cair os caninos, os incisivos, ou os molares.
O que se pede a um “produto”, “vendido” na feira política da vida social, é que nos engane dentro dum espectro e âmbito admissível. Não nos prometam a salvação e depois de eleitos nos ignorem e dêem cabo da nossa vida. Prometam apenas que nos considerarão pessoas e se esforçarão por nos proporcionar, no futuro, uma vida melhor.
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