O Teatro Académico de Gil Vicente poderia ser perfeitamente o móbil inspirador para o dramaturgo que lhe dá o mote se estivéssemos em pleno final do século XVI.
Este Teatro Académico mais parece uma barca velha à deriva com uns timoneiros atrás de outros a resignar. Depois de José Maria André, agora foi a vez de Manuel Portela. Com o investidor-mor, Carlos Encarnação, a deixar de financiar as grandes viagens de circum-navegação teatral esta barcaça, há muito a precisar de ir ao estaleiro, cada vez mais é um retrato de si mesma, da sua garbosidade de outrora. Sem dinheiro para a sua tripulação, ninguém se admire se um dia destes se amotinar e deixar ir este baluarte dos mares ao fundo. Sinceramente, é uma pena. Esta “barca”, que está para a cidade de Coimbra como o navio D. Fernando está para os descobrimentos e para Portugal, é uma sombra do que foi nos áureos anos 70, do século passado.
Quem esteve na última 2ªgala do Antigo Estudante da Universidade de Coimbra, certamente apercebeu-se de quanto urge restaurar este velho teatro. Apesar de ser inverno era ver as luzidias carecas dos excelsos doutores a transpirar de calor. Claro que os fluidos canículas que, à vista de toda a gente, teimavam em se libertar, também era resultado de uns egos exuberantes. Afinal, estava ali a fina flor da Universidade, a reserva moral da cidade e a alma do império. Ali estava o homem, erectus, na sua verdadeira pujança intelectual. Mas também o verdadeiro ADN da humanidade a mostrar que o cargo profissional não substituía as tricas e o maldizer. Do canto direito uma septuagenária exclama para a amiga: “ai coitadinho do Neves está tão chupadinho”.
Era vê-los com as suas avantajadas barriguinhas, como seres de outra galáxia, a olhar para todo o lado, como se, em carência aflitiva, interrogassem: “não me conheces? Não sabes quem eu sou? Eu sou aquele que, nos idos anos 70, estive na Real República Palácio da Loucura, não te lembras de mim? “.
Quem esteve nesta feira de vaidades, ao pé de tantas iminentes e reluzentes figuras, se era anónimo e sem currículo, certamente, sentiu-se pequenino até à minudência. Mas, o acaso tem destas coisas, vingou-se em três momentos. A primeira foi logo ao intervalo, quando as iminências pardas foram obrigadas a descer à terra, e como simples humanos, correram para a casa das aflições. Era vê-los ali, ao lado do “povão”, numa mimética pouco original, a aliviarem a tensão forçada e a defecarem como o mais comum dos mortais. O segundo momento foi quando a sede apertou e, como “a barca do inferno” tinha o bar encerrado, era um gozo sublime ver o senhor doutor de rabo empoleirado a encostar a boca à torneira do lavatório da casa de banho e aliviar a sua secura como se fosse o “Xico” engraixador. O terceiro momento, a mostrar que os heróis também se abatem, foi então quando um conhecido fadista, do alto do seu alter ego, escorrega no palco e…trás! Durante minutos a sala não respirou. Será que o reconhecido fadista se magoou? Parecia que esta interrogação, na sala, se tornou materializada. Eis então que a velha celebridade se levanta e começa tudo a bater palmas. No canto esquerdo alguém pergunta: “estão a bater palmas por ele ter caído?”.
Volta e meia, na sala do velho teatro, o som fazia greve. Alguém na assistência interrogou: “será o fantasma da Ópera?
1 comentário:
Excelente post, está cheio de razão!
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