"Há cinco ou seis anos, não sei ao certo, ou será desde sempre que dura esta nossa guerra sem precedentes?
Desde sempre, eu sei que há qualquer coisa em mim, algo me diz que não fomos feitos um para o outro, mas o que nos leva a continuar? Habituação, falta de coragem, amor? Não sabemos, e não sei se alguma vez teremos as respostas certas a estas perguntas. Eu gosto do preto, tu do branco; eu do Inverno, tu do verão; eu de peixe, tu de carne. Até onde nos levou tamanha (in)diferença? Não serão mais as coisas que nos separam do que as que nos unem?
Senti ontem, mais do que nunca, a certeza de que não dá para continuar este calvário.
Depois de alguns dias de separação, e porque a saudade aperta, lá voltamos nós a um novo encontro, esperançados num futuro melhor.
Comecei por te dizer que não dava para continuarmos assim; ora juntos… ora separados. Esta situação deveria ser resolvida. Notei em ti uma expressão que me dizias: “finalmente ela cedeu”. Gostaria muito de ir ao teu encontro. Tenho pena, mas não posso. Tínhamos tudo para dar certo e ambos gostaríamos que desse, mas o destino ou nós mesmos assim quisemos. Senti que a nossa história, mais uma vez, não chegava a lado nenhum. Continuamos a puxar a corda para lados opostos. Cada um estica o máximo para seu lado. Amamo-nos certamente, mas sentimo-nos incapazes de resolver este dilema. Será teimosia apenas? Incapacidade? Não sei, o tempo o dirá. Sei também que a teu lado, forçada por ti, nunca serei eu mesma. Continuas a querer a teu lado alguém que ceda a todos os teus caprichos, mesmo que saibas o quanto isso me faz sofrer. Dizes que me amas, e eu acredito que sim, mas que estranha forma de me amar é essa se nem tu próprio a entendes? Pareces-me um adolescente muito confuso e pouco feliz. Só o tempo se vai encarregar de te dizer que não escolheste o melhor caminho. E eu terei escolhido o melhor? E quem poderá responder? Não há certezas de nada nesta vida.
Falei aqui no dia de ontem, porque, em poucos minutos, eu revi, nesta cena, o que era o nosso casamento: começámos por ter uma pequena discussão sem resolução à vista. Fomos ao cinema; escolheste o filme convencido que era bom, segundo disseste, até já tinhas visto a apresentação, portanto não havia dúvidas, e eu lá fui, como sempre, confiante. Pela primeira vez na minha vida, reparei que éramos os únicos espectadores daquele famoso filme, naquela noite e naquela sala. Quando me deparei com algumas cenas ridículas, comentei que aquela fita era uma desgraça, mas continuei esperançada. Sim, porque sou uma mulher de esperança. Continuei a ver e com a certeza de que aquela fita maluca melhoraria, e esperei pacientemente. Ouvi-te dizer, apesar da sua má qualidade, que gostavas da abordagem que o autor fazia acerca do sexo. Como sempre, fiz um grande esforço para entender mas não consegui; paciência, aquilo, certamente, destinava-se só para… inteligentes. Aguentei mais algum tempo à espera que as cenas viessem a melhorar, mas em vão, aquilo não melhorava mesmo. Dito de outro modo, foram ficando cada vez pior. O filme era intragável. Depois de pensar bastante, optei por sair de cena. Respeitei o teu gosto duvidoso e decidi esperar, por ti, noutro sítio mais agradável.
Afectada pelo filme, ou não, a verdade é que o meu humor caiu no zero. Se estava mal piorou. Rebobinei toda aquela noite e, facilmente, cheguei à conclusão de que terminara da pior forma. Quando o filme acabou, notei o teu semblante muito carregado. Estavas tão mal humorado como eu. Seria do filme? Ou seria pelo facto de eu te ter abandonado a meio da fita “mal enjorcada”? A nossa noite acabara ali. E o nosso casamento? Naquelas horas, minutos, segundos, sei lá, deu para eu sentir que foram trinta anos de relacionamento difícil e muito tumultuoso. Foi mais um filme, mal realizado, com cenas lamentáveis, e, como se fosse pouco, com um triste fim…”
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