Está a decorrer em Coimbra, entre 22 e 31 de Outubro, uma iniciativa da Pró Urbe, Associação Cívica da Cidade, e da Plataforma artigo 65, movimento de defesa do direito à habitação, cujo tema é: “Vamos falar de habitação (em Coimbra)?”.
Segundo a Pro Urbe, no prospecto de divulgação do evento -de muito boa qualidade, diga-se a propósito- esta acção pretende ser “uma iniciativa de reflexão e cidadania sobre o tema vasto da habitação.(…) enquanto acto elementar e fundamental da vida humana (…) consagrado no art.º 21, da Declaração Universal dos Direitos do Homem e no art.º 65, da Constituição da República Portuguesa. Contudo, entre o reconhecimento dos direitos e deveres dos cidadãos e do Estado (…) existe um abismo de silêncio e perplexidades que nos propomos reflectir e denunciar.”
Desloquei-me e participei, na sexta-feira, dia 26, ao Gil Vicente, onde foi projectado um excelente filme de João Dias, inserido nas “operações SAAL” –Serviço Ambulatório de Apoio Local, programa de apoio à habitação, lançado em Portugal logo após a Revolução de 25 de Abril de 1974, durante o 1º governo provisório, em que participaram arquitectos, engenheiros, juristas, geógrafos e moradores de bairros degradados, associados em comissões, animados numa luta por habitação condigna para todos. Ao abrigo deste programa foram construídos diversos conjuntos de habitação, em todo o país, muitos dos quais estão hoje degradados. –extracto retirado do folheto de apresentação, “As Operações SAAL”.
Depois da projecção do filme, seguiu-se um debate em mesa-“rectangular” com António Bandeirinha, arquitecto, Alexandre Alves costa, arquitecto, João Dias, realizador do filme, João Afonso, arquitecto e Samuel Fernandes. A moderação foi de Elísio Estanque, sociólogo. O público, cerca de três dezenas de pessoas, dividiam-se entre estudantes de arquitectura, cidadãos anónimos e saudosistas do espírito do 25 de Abril, onde se ouviu o recorrente grito: “25 de Abril, sempre”.
Talvez fruto do tema do filme, que achei isento e desprovido de doutrina, o clima do debate foi carregado de uma ideologia de esquerda. Não é que o não devesse ser, e nem isso me preocupa ou interessa, simplesmente, notei no painel um exagerado alinhamento em conceitos socialistas, faltando ali, quanto a mim, na mesa, um equilíbrio, que nestes debates é saudável e salutar.
No sábado, dia 27, durante a manhã, estive presente no Salão Brazil, onde, numa mesa-“rectangular”, foram oradores, durante a manhã, Helena Roseta, ex-bastonária da ordem dos arquitectos, Teresa Craveiro, Valentim Gonçalves, padre, e José Reis, professor universitário, como moderador. Seguido de debate com o público presente, que mais uma vez, cerca de três dezenas, se dividia entre estudantes de arquitectura, associados da Pró Urbe e Plataforma artigo 65, e pessoas ligadas ao espírito do 25 de Abril.
Na parte da tarde, depois da pausa para o almoço, cujo programa indicava recomeçar às 14 horas, recomeçou cerca das 15 e 30. Foram pedidas desculpas pelo atraso, mas essas explicações, quanto a mim, não desoneram este programa de algum amadorismo e falta de respeito pelo público presente, cerca de uma trintena de pessoas. Estiveram presentes alguns vereadores da Câmara Municipal, como João Rebelo, e professores universitários, como, por exemplo, Sá Furtado.
Num primeiro painel, foram interpelantes, Guilherme Vilaverde, Maria João Freitas, ligada ao IHRU, Pedro Bingre, arquitecto, Jorge Carvalho, engenheiro, e Ana Pires, como moderadora.
Logo a seguir, num segundo painel, Gustavo Cunha, responsável pelo plano estratégico de Coimbra, Elísio Estanque, sociólogo, Gouveia Monteiro, vereador da habitação, Paulo Craveiro, presidente da Sociedade de Reabilitação Urbana de Coimbra , e Rui Avelar, jornalista, como moderador.
Olhando para a composição dos painéis, e levando à letra o consignado no folheto de apresentação, pela Pró Urbe, facilmente se chega à conclusão de que existiu uma lacuna, um vício de forma. Ou seja, como se pode discutir habitação sem que estejam presentes representantes de proprietários e de Inquilinos? Foram convidados, não foram?
Também nestes painéis foi notório a falta de equilíbrio ideológico, onde prevaleceu uma cultura de esquerda. Foi acerrimamente defendido o recurso à coercibilidade para estabilidade do mercado, por parte do Estado, quando se sabe que este, antes da sanção, deve incentivar os operadores a funcionarem naturalmente, através de leis equitativas, numa concórdia e assertividade, numa pedagogia necessária, através de um instrumento fundamental como é o (Novo) Regime de Arrendamento Urbano –como muito bem foi defendido por um membro da assistência. Ora acontece que as leis de arrendamento, desde a 1ªRepública foram sempre instrumentos panfletários, injustos e demagogicamente mal utilizados, na mão do poder partidário, tentando aliciar o voto fácil a um maioritário leque de inquilinos. Os resultados estão hoje bem à vista. No entanto, apesar de ser aflorado que há realmente casas a mais –em média uma e meia por família- nunca foi defendido o arrendamento como única solução possível e viável.
Nestes painéis, pelos membros, o proprietário foi sempre apresentado como um especulador. Nunca foi dito que muitas das casas fechadas e em mau estado se devem ao continuado empobrecimento dos proprietários e aos iníquos e subsequentes processos de despejo arrastados no tempo, que faz com que os senhorios prefiram tê-las desocupadas. Nunca foi aflorado as muitas rendas de miséria, de pouco mais de 5 euros, existentes nos centros históricos e que, contraproducentemente, implica as autarquias em longos processos de negociação e revitalização do edificado, com custos exacerbados para o erário público.
Por outro lado, coisa estranha, porque se alhearam os proprietários deste debate? Deixaram de lutar pelos seus interesses? Deliberadamente, ignoraram-no por não acreditarem na isenção dos promotores da iniciativa? Se alguém quiser ou souber que responda.
Se a cidade, sendo uma entidade abstracta, fosse uma pessoa e lhe fosse pedido um conselho, certamente diria: “cuidem-se filhos, se não houver cuidado, o futuro na habitação é pouco auspicioso e convosco, com esta forma de o discutir, também não iremos longe”.
Sem comentários:
Enviar um comentário