“Há não uma mas duas Coimbras, uma do sonho e outra da tradição” –assim se referia Carlos Fiolhais, professor universitário, no Jornal Público, em 11 de Maio de 2007, numa sua rubrica assinada com o título: “COIMBRA É UMA LIÇÃO”.
Com a minha natural modéstia intelectual acrescentaria mais uma: a da hipocrisia. E refiro mais esta premissa divisória de uma Coimbra que nunca foi homogénea comportamentalmente, não como se eu tivesse descoberto a pólvora, mas porque ao longo dos últimos séculos foi profusamente referida, lembro-me, por exemplo, Trindade Coelho, no seu livro, “In Illo Tempore”, quando se refere a João de Deus, por volta de 1850, em que mostra Coimbra e a sua Universidade “como tendo uma vida aborrecida, não sabendo para que serve aquilo –livros, lições, professores, actos, banalidades!”. Um “tudo faz de conta”,onde o que interessava era o parecer e pouco o ser.
Vem isto a propósito do recente desaparecimento de Fausto Correia –que sentidamente aproveito para expressar à sua família as minhas mais sentidas condolências e que não vejam nesta minha crítica uma ofensa ao extinto nem à dor provocada pela sua precoce partida desta vida - eurodeputado do PS, desde 2004, em Bruxelas.
Foi um corrupio de lamentos lacrimantes de crocodilo, desde a esquerda até à direita, quer no seu féretro, com a vinda de personalidades ligadas ao actual governo e outras de ex-governantes da oposição, como se tratasse de uma passagem de celebridades, todos com ar pesado e condolente, que o momento assim o exigia. Também nos depoimentos neste jornal (Diário de Coimbra) foi um descarregar de más consciências, como se com esses elogios algo duvidoso na sinceridade, os encómios pudessem branquear e redimir as invejas e a guerrilha e o “espetar de facas nas costas”, enquanto o homem foi vivo.
Coimbra ficará conhecida pelo seu passo gigantesco no avanço da filosofia da Ciência Social, ao transformar o negro manto diáfano da morte numa impoluta alvura e cândida resplandecente áurea mística. A Igreja Católica já o tinha feito com a canonização de seres terrenos, transformando-os, após a morte, em Santos. Mas com pessoas comuns, normalmente hereges, ateus assumidos, é um fenómenos recente, que só graças ao avanço de Coimbra nas ciências sociais é possível esta extraordinária maravilha invulgar e digna de registo nos anais da história que só uma grande cidade como esta comporta.
Claro que, naturalmente, as autarquias também participam. Primeiro foi a de Miranda do Corvo e agora a de Coimbra na atribuição de uma rua com o seu nome. Claro que neste estado sintomático de psicastenia em atribuir os seus topónimos às ruas, neste nivelamento por baixo, talvez explique a obsessiva construção de novas centralidades. Percebe-se agora que eram necessárias muito mais ruas para ser possível encaixar todos os nomes de políticos, pintores, artistas, fotógrafos e outros biscateiros. Começa a ser necessário explicar os critérios de atribuição, pela Comissão Toponímica. Qual o grau de atribuição para figurar numa rua, numa alameda ou numa avenida? Todas estas artérias têm uma relevância igual para o nomeado? Assim, a atribuir em “barda”, o melhor é construir um panteão local, onde possam figurar todos os políticos, os artistas, os beneméritos e, já agora, sem esquecer as figuras típicas da cidade: o “Taxeira”, o Daniel “Tatonas”.
A psicologia, facilmente, explicará este branqueamento da vida através da morte e mostrará o comportamento polarizado dos “Coimbrinhas” entre “sacanas” em vida e um “tipo porreiro” depois de morto. Viva a morte! Morra a vida!
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