sexta-feira, 5 de outubro de 2007

BAIXA: A DESGRAÇA DA GRAÇA

Dona graça tem um pequeno estabelecimento de hotelaria na Rua Velha, ali na baixa de Coimbra. É dali que, diariamente, extrai o seu sustento e o da sua família. Com muitos suores transpirados, muitos “sapos engolidos”, tantos bêbados aturados, quantas vezes a emprestar o ombro para ouvir dramas, quantas vezes a dar gratuitamente uma sandes à criança romena, assim é o dia-a-dia desta mulher com “M”grande, ao longo de mais de 15 horas diárias passadas no seu pequeno café.
Graça é daquelas heroínas que a história não regista, mas que o povo, na sua memória não esquece. É uma pessoa simpatiquíssima, calma, de trato afável e agradável. Na Baixa todos a conhecem e todos gostam muito dela. Sem o saber, tornou-se numa das muitas árvores-mães desta floresta selvagem em que, no seu impiedoso individualismo, se tornaram as cidades. Cada um olha para o seu umbigo e pouco mais. O que me interessa se o meu vizinho precisa de ajuda? "O que é que eu ganho com isso? Se ele morrer melhor. Eu quero lá saber! Antes ele que eu!" –Pensa cada um para si mesmo.
Graça é inquilina da Câmara Municipal de Coimbra (CMC). Por um pequeno cubículo, paga cerca de 350euros. A Rua Velha, de três metros de largura, é uma transversal da Rua Eduardo Coelho. Um beco sem saída para quem lá entra e um túnel sem luz para aquela mulher.
Há um ano e meio, com o propósito de iniciar as obras no edifício, a CMC, proprietária do imóvel, que em princípio, se destinará a albergar carenciados, entaipou quase completamente a Rua. Deixou uma nesga de cerca de 80 centímetros, para que Graça acedesse ao seu estabelecimento. Resultado deste acto modelo de completa insensibilidade, o seu pequeno estabelecimento tornou-se um istmo, ligado à Rua dos Sapateiros por uma faixa de calçada onde só pode passar uma pessoa de cada vez. Fruto de estar escondida à força, os prejuízos, para esta mulher, têm-se somado ao longo deste ano e meio. De tantas vezes caminhar para a autarquia, as pedras da calçada já conhecem de cor e salteado o seu andar ligeiro e decidido. De engenheira em director de serviços, Graça, sente ser uma bola de pingue-pongue. Ninguém a escuta e sente-se completamente ostracizada por uma administração que ao invés de ser sensível aos problemas de quem trabalha, num completo autoritarismo, assobia para o lado. Mas Graça não desiste e vai vencer; escrevam nos seus livros negros os burocratas autistas e incompetentes
Devido a este entaipamento forçado, durante o último mês de Setembro, o estabelecimento de Graça foi assaltado 3 vezes durante a noite e uma vez durante o dia com recurso a violência espelhado nos hematomas deixados no seu pescoço. Este mês de Outubro, que vai no princípio, já voltou a ser assaltada, mais uma vez .
Como se toda esta desgraça fosse insuficiente para esta graça de mulher, no feriado do 5 de Outubro, a coberto de estar encerrado o estabelecimento, o empreiteiro da obra, certamente a mando de quem lhe paga, ou seja a CMC, tratou de tornar ainda menor o espaço visual da Rua velha. Começou a prolongar o entaipamento para a frente e a passagem, que era já estreita de 80 centímetros, ia passá-la para 60. Ia –disse bem- só que não contava que Graça, por ser feriado, estivesse no estabelecimento. Quando ela se apercebe daquele acto cobarde e de má fé, desata aos gritos e toda agente acorreu. Porém, o empreiteiro, pago para cumprir e não para pensar no prejuízo que pode causar aos outros, continuou como se nada fosse com ele. Até que viu a sua integridade em perigo. Podia ter perdido ontem ali a vida. Graça, uma mulher habitualmente serena e calma, pegou numa rebarbadora, com ela ligada e em riste dispôs-se a limpar um ou dois verdugos. Só então todos pararam. E se tivesse acontecido uma desgraça? A autarquia é uma entidade abstracta, mas constituída por pessoas. Se tivesse acontecido uma desgraça poderiam dormir descansados? Claro que podiam porque não têm consciência e, nos seus actos, são irresponsáveis…até um destes dias.
O que aborrece Graça é pensar que o seu senhorio, a CMC, usa estratagemas de má fé, porque parece querer a obrigá-la a desistir através de meios condenatórios e pouco éticos. Mas se pensam nisso, tirem o cavalinho da chuva. Hão-de mudar de residência muito antes do que ela.
E tem razões de sobejo para pensar assim: A CMC, nas obras particulares, no seu Regulamento, prevê que todos os andaimes montados no Centro Histórico devem ser aéreos, de modo a não obstruir os prédios ao nível do Rés-do-chão. Ora, sendo assim, nas suas obras, porque não cumpre a Câmara o seu próprio Regulamento?

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