terça-feira, 29 de outubro de 2019

EDITORIAL: E SE BARCELONA FOSSE COIMBRA?

(Imagem  retirada da Internet)



Qualquer presidente, para se aproximar dos cidadãos,
deveria levar à prática a consideração individual e colectiva.
Como amostra, pelo menos de seis em seis meses, o Salão
Nobre da Câmara Municipal deveria ser aberto a todos quantos
desejassem interpelar o presidente e todos os vereadores, com
e sem pelouro. Numa espécie de prestação de provas semestral,
num bate-papo informal, sujeitando-se os eleitos a responder às
questões suscitadas, mostrar ao povo que aquela é a casa de todos.”


Neste último Domingo, li a entrevista de Jordi Hereu, ex-autarca de Barcelona e agora consultor de planeamento urbano, no jornal Público. Enquanto lia e treslia ia pensando no que se passa na (minha) cidade dos estudantes.
Sendo administrador de um sítio virtual como a Página da Câmara Municipal de Coimbra (Não Oficial), esta função que desempenho com grande empenho, tem-me proporcionado uma outra auscultação sobre Coimbra, que se não funcionasse nesta qualidade não me aperceberia.
Levando à letra os desabafos dos mais de sete mil membros, de facto, Coimbra, o nosso burgo, para além de ser cinzento, talvez sofra de défice de bairrismo (basta ver os comentários na página virtual). No entanto, por estranho que pareça, acontecem dois movimentos contrários. Um, é o dos jornais publicados na cidade que, tentando contrariar a onda pessimista, numa captação fotográfica inerte onde falta a crítica imparcial, porque dizer bem tem um leque de recepção mais abrangente, e logo interesseiro, acabam a sobrevalorizar tudo exageradamente, sejam actos públicos ou manifestações empresariais, e concorrem para dar uma imagem falseada dos acontecimentos e do que se pode esperar do lugar onde convivemos diariamente. Outro, por parte da opinião publicada nas redes sociais, dá-se uma atenção exagerada ao que corre mal e um foco diminuto ao que corre bem, com uma crítica acintosa e destruidora. Isto é, tal como se aflora no artigo de Jordi Hereu, ex-autarca de Barcelona, é como se os conimbricenses andassem mal e não se identificassem com o sítio onde vivem. E, de facto, a meu ver, muitas pessoas, demasiadas, andam de relações cortadas com a Lusa Atenas.

E A QUESTÃO É: PORQUÊ?

Comecemos pelo positivo, é um lugar calmo e que dá gozo habitar, com gente que se respeita mutuamente, às vezes, até é solidária. - embora, parece-me, a crise de 2012 veio arruinar e diminuir em muito os laços dessa fraternidade. É um cosmos onde a criminalidade é pouco expressiva e o torna apetecível para se criar família. Tem uma malha urbana densa, mais ou menos servida por uma rede de transportes colectivos que facilitam a mobilidade, o que contribui para arrendar uma casa a valores médios. Apesar de ter o seu coração comercial doente, a Baixa, a cidade dos estudantes detém uma oferta ao consumidor que faz inveja a muitas outras. Embora o emprego seja precário, incluindo os pequenos investidores no terciário do seu tecido urbano, há sempre um lugar para mais um.

MAS, SE NAS GRANDES OPÇÕES É ASSIM, AFINAL, O QUE FALHA?

Falha nas pequenas coisas. E na comunicação política. Nos pequenos detalhes, em exemplo, apontemos o lixo abandonado em tudo quanto é artéria, urbana ou rural. Coimbra, por falta de interesse político em resolver este problema através de sanções, tem cidadãos pouco aprimorados e desligados do seu espaço envolvente. Tratam a cidade como se o seu corpo fosse, como direito, para usar desalmadamente e, sem ponta de obrigação, não respeitar o bem público, que é de todos.
Ainda nos pormenores, atentemos na segurança interna. Ainda há dias o Comandante distrital da PSP, Rui Moura, numa entrevista concedida ao Diário de Coimbra, em jeito de político que defende que está tudo muito bem, aflorava, de bandeira desfraldada, que a cidade não tem valores estatísticos de criminalidade relevantes. É verdade! Mas, na prática, o que se constata? Que a pequena transgressão, como não é participada, não chegando ao conhecimento das autoridades, logo, não existe como dado. Mas, o transeunte convivendo com ela no dia-a-dia, com desconforto, sente gerar nele conflitos vários, sobretudo insegurança e por considerar que a justiça não funciona e, sobretudo, que os seus impostos não são canalizados para os fins que deveriam ser.
No dia a seguir a esta entrevista, constatei, no meio da Rua Ferreira Borges, à hora de almoço, um sem-abrigo, como se gozasse com todos os passantes de ocasião, retirou o pénis e, à vista de todos, urinou em plena via. É grave? Talvez não seja, mas cria o tal sentimento de que, por um lado, não há polícia, por outro, que qualquer um, sem restrições, faz o que quer.
Ainda nessa mesma semana, numa rua estreita, um miúdo de 16 anos furtou um objecto de cinco euros. Sem tentar desculpar o comerciante, mas sendo justo, embora a sua reacção fosse desproporcionada, tem de se compreender, e envolveu-se à chapada com o puto. O que valeu, para que tudo corresse pelo melhor, foi uns vizinhos se envolverem e conseguirem apartá-los.
Ora, está de ver que se nestas ruas houvesse policiamento de proximidade, para além de se estar a contribuir para a prevenção e aumentar um necessário clima de segurança, evitava quadros terceiros-mundistas.

E NA COMUNICAÇÃO POLÍTICA?

Coimbra, digo eu, após a revolução dos cravos, talvez desde Mendes Silva (PS) e António Moreira (PSD), anos de 1979 a 1989, a cidade nunca mais teve presidentes de câmara que abraçassem os cidadãos, ou, no mínimo, que pareçam compreender as suas agruras. Os chefes autárquicos que vieram a seguir – com uma pequena e curta excepção para Barbosa de Melo, 2011/2013, que deixou marca presencial de humildade na Baixa – desde Manuel Machado (PS) a Carlos Encarnação (PSD), nunca cultivaram o relacionamento pessoal com os munícipes, a não ser em campanha eleitoral. A sua conduta, a raiar a prepotência, a grosseria e a superioridade existencial, foi sempre de afastamento e nunca se aproximaram do citadino. Com uma invisível barreira de vidro segregacionista, passou a ser entendido pelo residente como “nós” e “eles”. É certo que esta visão social é transversal a toda a classe política nacional. Mas, nas autarquias, sem quebrar este muro transparente, que não se vê mas se pressente, não há descentralização ou regionalização que valha. Deve atacar-se o meio, como princípio de cimento relaccional, e menos o finalizante. O final, bom ou mau, será sempre o resultado dos instrumentos sociais aplicados na prática.
Qualquer presidente, para se aproximar dos cidadãos, deveria levar à prática a consideração individual e colectiva. Como amostra, pelo menos de seis em seis meses, o Salão Nobre da Câmara Municipal deveria ser aberto a todos quantos desejassem interpelar o presidente e todos os vereadores, com e sem pelouro. Numa espécie de prestação de provas semestral, num bate-papo informal, sujeitando-se os eleitos a responder às questões suscitadas, mostrar ao povo que aquela é a casa de todos.
Tomando atenção ao presente, nem vale a pena recordar o que foi a batalha para que o actual detentor do poder, Manuel Machado, receba, por obrigação, os munícipes, cumprindo o estabelecido no regulamento.
Por outras palavras, a meu ver, este divórcio entre os conimbricenses e a cidade assenta em muito em não se “amar” o seu líder. Mas não é só uma questão de mal-amar. É também em reflexo de promessas não cumpridas, obras faraónicas “não inscritas” para ganharem eleições e mal aceites pelo prejuízo que causam aos autóctones -que, se calhar, se não houvesse défice de comunicação, poderiam ser mais bem acolhidas pelo geral.
E ainda mais: o facto de, para deslocações presidenciais, se adquirirem automóveis topo-de-gama, com valores de custo acima do rendimento do trabalhador-médio. Volto a recordar Barbosa de Melo, que, no seu movimento entre-muros, andava de Smart. O exemplo é tudo, digo eu, que já sou velho.

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