segunda-feira, 7 de novembro de 2016

JE SUIS POBRETANAS

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)






Desde há cerca de um mês que ando com um certo mal-estar na minha barriga. Nem sei bem explicar, mas deve ser uma espécie de cólica, talvez psicológica, que liga directamente ao cérebro e, em catarse analítica, se divide entre o que sou e o que deveria ser.
Nunca escrevi isto, mas confesso, apesar de há muito ter arrumado este corte profundo na minha lixeira mental, nunca perdoei ao meu pai ter-me colocado no mundo sem uma confortável almofada financeira que me permitisse andar na rua empertigado e só olhar para os da minha altura. Não é por nada, mas é muito chato uma pessoa, em vez de ser beijado na mão em prenúncio de reverência, ter de andar permanentemente a curvar a espinha em sinal de (falsa) humildade perante qualquer um. No mínimo, para me sentir igual, gostava de ser vingado, como quem diz, os governos nacionais deveriam elevar de tal modo o imposto sucessório que a segunda geração, herdeira da primeira, esforçada e geradora da riqueza, tinha de começar de baixo como eu para dar valor às coisas. Ora, para me aborrecer deveras -e isto só pode ser mesmo complot- acontece que o Governo, no Orçamento Geral do Estado para 2017, deixou cair o imposto sobre as heranças. Isto não é gozar com a minha cara? Não é por nada, mas cá o “Je”, mesmo depois de contar até dez, irrita-se com a situação e fica fora de controlo.
Se eu tivesse nascido em berço de ouro, sei lá, poderia ser, por exemplo, banqueiro -e quem me diz que não poderia ser administrador da Caixa Geral de Depósitos? Vade retro, Satanás! Porra! Porra! Nem pensar! A esta hora, como a cabeça decapitada de Maria Antonieta a balouçar entre a forca e a guilhotina, andava nas bocas de toda a gente; do povinho, desgraçadinho, da oposição marialva - sedutora e conquistadora até se apanhar na primeira linha para lixar o cidadão-, do Primeiro-ministro, António Costa, do Ministro das Finanças, Mário Centeno -que Deus os guarde porque só pensam em nós e nem sabem o que fazer mais pelos pobrezinhos-, do Presidente da República, Rebelo de Sousa -general de campo do regimento e agora convertido à bíblia de Fidel-, e ainda acabava no Tribunal Constitucional -e sei lá se ainda não irá acabar por ser discutido nos “tribunais” de Bruxelas e Frankfurt?
Pensando melhor, analisando tudo o que está acontecer, perdoando ao meu pai, prefiro ser pobrete e alegrete e dormir descansadito, sem ter de me preocupar com os milhões, do que aquela pobre administração da Caixa, pública-privada. Só pensar que outrora este grande banco foi financiador das pequenas e médias empresas e na última década, escandalosamente passou a sustentar o grande capital e os buracos no mal-parado, as imparidades, são maiores que os orifícios de um queijo suíço, até se me dá a volta aos intestinos -tudo me acontece, está de ver.
Coitada da administração da Caixa! Tenho tanta peninha!

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