terça-feira, 24 de novembro de 2015

FINALMENTE HÁ FUMO BRANCO EM BELÉM

(Imagem do Correio da Manhã)




Num mistério da fé, após um parto difícil de nosso senhor, sumo-sacerdote, que teria metido ferros para a extracção, o menino nasceu. Saiu fumo branco da chaminé do palácio do governador de Belém. Toque-se a rebate todos os sinos dos campanários das vilas, aldeias e lugarejos recônditos do reino Portucalis. É um rapagão bem desenvolvido para a pouca idade e, pelo primeiro grito e outros berros que sucederam, parece ser muito ambicioso. Dá pelo nome de António, mais que certo em analogia com o santo casamenteiro. Tal como o outro, também este santantoninho de Lisboa, que na história antiga estava prescrito vir de burro, veio a este mundo para unir os descamisados e os seus protectores, ditos da esquerda, contra uma direita que tomou conta dos destinos de todos os paisanos nos últimos quarenta anos.
Tal como o outro nascido em Belém há mais de dois mil anos, também este mestre não terá vida fácil e, mais que certo, será traído por um Judas saído do grupo dos seus apóstolos. Ou consegue convencer muito bem com a multiplicação do pão o povo e as autoridades políticas ou, inevitavelmente, será pregado na cruz antes que o galo cante três vezes e até à Páscoa. O anúncio da preparação para a chegada do Reino dos justos nunca foi muito tranquilizador, quer pelos judeus, seus prosélitos, quer pelos líderes locais, quer pelas elites imperiais, e gerou sempre desconfiança. O facto de não ser gerado tradicionalmente em cópula e ser concebido pelo milagre do mistério constitucional produz cisma sobre o que virá a pregar e sobretudo a agir. Sabe-se que de ora em diante os seus passos serão avaliados e fiscalizados em todos os seus movimentos e a sua legitimidade será aceite, ou não, conforme a sua condução dos destinos do reino. Caminhará sobre a água e, numa inspiração divina, terá de mostrar ser capaz de abrir uma faixa firme em direcção ao futuro mesmo que implique o derrubar de barreiras previamente colocadas como sabotagem política. Será sempre olhado como o “outro”, “Ecce homo”, eis o homem! O que realmente preocupa as autoridades assentes no poder é a agitação que receiam vir a provocar contra os padrões estabelecidos e que poderá redundar numa deriva pior do que a existente.
Roma, como quem diz Bruxelas, teme que a sua passagem e mensagem possam alastrar e converter outros reinos à apostasia. A Grécia olha de longe e reza a todos os oráculos o seu sucesso. Vai carregar sobre os seus ombros toda a responsabilidade de reabilitar toda uma facção desacreditada intencionalmente desde o antigo testamento, como quem diz, desde o tempo da outra senhora. Se falhar, será julgado pelo Sinédrio, pela assembleia, que lhe deu vida e o condenará à morte.
As valorações históricas e hodiernas em torno da previsível expiação de culpa deste menino devem ser muito prudentes. Manda o bom-senso que, sem preconceitos religiosos ou ideológicos, o deixemos mostrar o que vale e, numa espera serena, não fazermos generalizações ou analogias precipitadas que levem a valorizações injustas. Não sejamos o Pilatos deste tempo.

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