quarta-feira, 14 de maio de 2014

EDITORIAL: O "QUID PRO QUO"

Governo escolhe economista da confiança de Sócrates para liderar CCDRC
(Foto do JN)




Entre três candidatos elegíveis para presidir a CCRDC, Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, o Governo optou por um deles. Entre os indigitados António Queirós, Norberto Pires e Ana Abrunhosa foi escolhida esta última pretendente ao lugar. Normalíssimo, até aqui tudo bem e conforme as regras da CReSAP, Comissão de Recrutamento e Selecção na Administração Pública, a entidade encarregue de selecionar e apresentar os candidatos na Administração.
O “quid pro quo”, o tomar uma coisa por outra, começa quando o Jornal de Notícias dá à estampa estas considerações: “Fonte ligada ao processo explicou que o professor universitário Norberto Pires (ex-presidente da CCDRC, atual vereador do PSD na Câmara de Condeixa-a-Nova e ex-líder da sociedade Coimbra iParque), "embora pessoa muito competente e experiente, tem o 'defeito' de ser muito frontal/direto e tem pelo menos um ex-membro do Governo que nutre por si um ódio de estimação que o poderá ter prejudicado neste concurso". 
Como ressalva, devo declarar que conheço um dos candidatos, no caso Norberto Pires, e desconheço a vencedora, Ana Abrunhosa. Naturalmente que não estou a escrever por me moverem sentimentos de aproximação a um, por ter sido preterido, ou de repulsa por outro. Escrevo simplesmente porque me parece atentatório à dignidade de todos os aspirantes ao cargo envolvidos.
Depois desta salvaguarda vou prosseguir. Em face de tão inusitadas considerações, a meu ver, de tal maneira graves, várias questões se levantam. A primeira é a constatação de que os concursos não são ocupados pelo mérito mas por aqueles que aceitam enfiar o chapéu sem fazer ondas –com franqueza, não pretendo extrair esta conclusão da candidata ganhadora, que não conheço, mas sim do que aconteceu aqui e em face destas declarações tão insólitas. Quero dizer que a minha especulação pretende partir deste caso para outros. Ou seja, do particular para o geral e não o contrário.
Conforme se extrai da leitura, dá também para ver que a competência, em face de outros atributos de maior discrição, pouco pesa. Assim como, neste caso o Governo, por exclusão de partes, não procura pessoas frontais/directas mas antes indivíduos cinzentos, burocratas, que sigam o situacionismo implantado, naveguem à bolina e não construam castelos na imaginação popular. Em silogismo, é como se o Governo dissesse aos cidadãos que quem fala directo e frontalmente não tem lugar na política partidária. Ora, está de ver que, a bem dos próprios interessados e uma vez que o seu descrédito nunca atingiu tão baixos índices de popularidade, a única forma de se mudar este xadrez sistémico seria colocar em lugares de relevo, de poder, gente desenraizada com o sistema político vigente. É óbvio que tudo o que estou a escrever é pura filosofia, para não dizer demagogia. Sabemos que para mal de todos, políticos e cidadãos, o processo em jeito de purga vai continuar igual. Não é preciso ser presciente para acertar que vai acabar mal.
Por outro lado, e em último, ficamos a saber que as nomeações, para além de políticas e partidárias, são também pessoais e com âmbito individual e não geral. Isto é, o interesse público, que deveria transcender qualquer decisão individual, é um mero artefacto e o livre arbítrio, mesquinho de ódio e inveja, passa a ser o procedimento comum na administração executiva.
Acho que o Governo, com estas notícias vindas a público, sai muito mal na transparência a que deveria dar exemplo aos cidadãos. Talvez exagerando um pouco mas creio que estamos em face de uma condenação por delito grave de opinião. Uma violação da liberdade de expressão –que sempre foi assim já todos calculávamos, mas agora, com esta conduta, está-se a mostrar, preto no branco, que sempre foi mesmo e assim continuará a ser, obrigatoriamente, para quem quiser almejar um lugar ao Sol.
No mínimo, pelo respeito a que está obrigado aos portugueses, o Governo deveria anular este concurso e realizar outra prova onde não ficassem dúvidas da sua actuação.

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