sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

EDITORIAL: UMA CIDADE ÀS AVESSAS



Esta semana, na quarta-feira, os jornais Diário as Beiras e Diário de Coimbra traziam à estampa a notícia do prédio camarário, de quatro andares, que está em vias de ruir. Devido às intensas chuvas que têm caído nos últimos dias começou a soltar-se caliça para a via pública. Segundo as declarações de um dos vizinhos, com quem falei “Foi há cerca de 13 anos, já no tempo de Encarnação (ex-presidente da Câmara Municipal), que os moradores foram realojados e o edifício ficou vazio e a apodrecer. Ao longo destes anos, eu e outros confinantes, fizemos várias chamadas de atenção para a edilidade e nunca passaram importância ao assunto. Comuniquei para a proteção Civil e a mesma coisa! Foi então que, esta semana, comecei a temer pela minha vida. Peguei no telefone, liguei para o Diário de Coimbra e para o Diário as Beiras e disse para a minha mulher: vais ver se isto agora vai ou não vai! O Machado não tem nada a ver com isto, não quero prejudicá-lo, mas esta situação não pode continuar!”
O Diário de Coimbra, do dia seguinte, de quinta-feira, na primeira página, anunciava: “Prédio no Largo do Romal será demolido”. No interior do caderno, “A Câmara Municipal de Coimbra decidiu demolir “o mais rapidamente possível” o prédio degradado no Largo do Romal (…). (…) Ainda assim, as vistorias técnicas concluíram que não havia risco de ruir.”
Hoje, sexta-feira, dois dias depois da bomba ter rebentado, portanto, era visível a azáfama na montagem de andaimes junto ao monumento da incapacidade e desleixo da coisa pública. De salientar que nas traseiras deste agora anunciado desastre está um outro prédio em igual estado ou pior e também em risco de capitular.
Passando por cima da incúria, da obrigação, e sobretudo o exemplo, da autarquia recuperar o que é seu (nosso) e servir de motor auxiliar para a revitalização da Baixa, vou focar-me essencialmente na decisão de demolir o prédio. Mesmo sem as declarações técnicas de que não oferece perigo elevado de cair –o que, em boa verdade, não é fiável de todo, basta lembrar a queda de dois edifícios na Rua dos Gatos, em 2006, depois de ser assegurado por especialistas da edilidade de que não cairia- há um pormenor que salta à vista: por que razão se vai demolir um imóvel centenário no Centro Histórico? Em nome do novo tudo é justificável? Mais ainda, sendo esta parte velha qualificada como zona de proteção na classificação de Património Mundial da UNESCO, como é que se pode entender que se opte pela substituição do velho pelo novo? –Aliás, ao que parece, a declaração de interesse mundial obriga a que não se possam fazer demolições nas áreas classificada e protegida. Alguém consegue conceber que, num qualquer museu, se troque um prato “aranhões”, do século XVII, meio esbeiçado e com cabelo, por uma cópia de faiança recente? E ainda mais, do ponto de vista da racionalidade económica, será que fica mais barato demolir e reconstruir de novo ou restaurar o velho e mantendo as traças originais, interiores e exteriores?
Dá que pensar esta quase obsessão pelo camartelo. Será que o espírito de Salazar andará por aqui à solta? Tudo teria começado com a destruição da velha Alta, entre as décadas de 1940 e 1950. A seguir foi aqui na Baixa, através do bota-abaixo, no início de 1960, para dar início à idealizada avenida central. Em nome deste malfadado projecto, agora atrelado ao Metro Ligeiro de Superfície, em 2006 desconstruiu-se mais umas partes importantes de casario habitacional, comercial e de serviços.
Impressiona de sobremaneira a constatação de que não há um plano diretor para a Baixa da cidade. Salvo melhor opinião, ninguém tem ideia nenhuma do que se pretende. Num espaço que deveria ser tão rico em várias áreas, turística, comercial, serviços, hotelaria, o que se apreende? Que não passa, simplesmente, de uma manta de retalhos onde se fazem remendos atamancados, aqui, ali, e outros acolá. É preciso gritar bem alto: o declínio e a tristeza que se apanha às mãos cheias nestas ruas de solidão, sem cor, sem odor, sem brilho, são o resultado aritmético, das últimas décadas, de políticas que nunca tiveram em mente o superior interesse do seu progresso e muito menos o respeito pela história da cidade. O que esteve sempre em causa foi o marear ao sabor do vento e ao alcance de conveniências pessoais e eleitorais de políticos carreiristas. A urbe foi sempre utilizada como extensão das suas ambições desmedidas, onde primou sempre o livre arbítrio do eleito e sem ouvir as partes interessadas.
A Baixa de Coimbra é uma zona de calamidade social eminente. Em prédios a cair de podre –muitos deles propriedade da autarquia-, só por sorte não há vítimas a lamentar. É uma superfície urbana onde por de trás das fachadas decrépitas ou aparentemente consolidadas se movem vidas em apego pela sobrevivência. É uma espécie de microcosmo de seres vivos que, procurando não submergir, se entrelaçam em teias que visam somente a salvação. Tal como se escreve no princípio do texto, só se acorda quando há perigo elevado de se ser soterrado. Nesta altura, esquece-se os amigos políticos, que podem dar um jeito e não convém hostilizá-los, e pede-se a intervenção de todos os santos da terra, da imprensa escrita e falada, e do Céu para que venham todos a correr para nos salvar. Deus, Nosso Senhor, nos acuda para tanta inépcia!

2 comentários:

Anónimo disse...

Em tambem muito mau estado está a Casa das Talhas na Rua Fernandes Tomás, cuja proprietária é nada mais nada menos que a Camara Municipal.
Obras ...nada.

Anónimo disse...

Quanto à Casa das talhas esteve-se à espera de arranjar financiamento para a obra, uma vez que fruto da quantidade de achados arqueológicos relevantes no referido edificado, será uma reabilitação de valor elevado. A obra irá iniciar-se este ano sem falta.
Cumprimentos
Sidónio Simões