sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

A (DES)AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA

Os boatos começaram em Setembro. Circulavam de boca em boca, em Coimbra: “ o Continente, do Vale das Flores, vai fechar”. Como é normal nas atoardas, a cada conto acrescenta-se um ponto, então para tornar mais dramático e justificar de que a cidade estava esgotada, para além do admissível, em quotas de oferta de vendas, per capita, em grandes superfícies na Lusa Atenas. Comentava-se à boca cheia que este encerramento se deveria à falta de viabilidade económica daquela primeira grande superfície que foi criada em Coimbra, em 1993, perante os seus opositores directos; as marcas francesas da grande distribuição mundial, o Carrefur e o Jumbo, do grupo Auchan, implantadas, respectivamente, nos Centros Comerciais, Fórum Coimbra e Dolce Vita. Bem no fundo, por parte do comércio tradicional, existiria uma ponta de prazer sádico de que o evolucionismo também se aplica à economia, e, também aqui, numa luta de titãs, os gigantes também se abatem. E quando o bolo do consumo interno, que já há muito é dividido por estes grandes grupos económicos –cerca de 88% do total nacional, segundo o presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal- é natural, pelas leis da economia, que estes dinossauros se exterminem uns aos outros, numa espécie de luta “corpo-a-corpo”, como quem diz, de baixa, a rebaixa de preços. Basta lembrar que durante o mês de Novembro e princípio de Dezembro, estas duas megasuperfícies, digladiando-se entre si nos preços de venda ao consumidor, fizeram “dumping” –prática comercial desleal, proibida por lei, que consiste em vender os produtos abaixo do preço de custo. O Continente, de Belmiro de Azevedo, vendeu brinquedos com 50% de desconto, cujo preço final ao consumidor era muito abaixo do seu custo no fornecedor, pelo menos pelas tabelas praticadas ao comércio de rua. Com o Carrefur de Coimbra, a mesma coisa; vendeu artigos para o lar muito abaixo do seu preço nominal. Um comerciante com loja na Baixa, com vários funcionários, quase de lágrimas nos olhos, interrogava-me, em que país estaríamos, quando esta prática, sendo ilegal, era feita nas barbas de toda a gente, como lhe seria possível sobreviver e pagar salários aos seus empregados.
Perante a maior surpresa de todos, comerciantes de rua e consumidores, e contra todas as estimativas admissíveis, contra tudo o que se entende pelo âmbito da Autoridade da Concorrência –segundo o seu presidente Abel Mateus, em entrevista à Revista Visão, em 11 de Janeiro de 2007, esta entidade reguladora do Estado, “visa combater o abuso das posições dominantes e proteger a sociedade dos prejuízos que o monopólio pode causar e a preservar a democracia económica e política”- esta Entidade Reguladora permite ao grupo Sonae a compra da marca Carrefur em Portugal. Implicando os espaços já abertos e licenças de construção aprovadas e a aprovar.
Não é preciso ser guru em economia para ver que alguma coisa vai mal neste reino dos gigantes do consumo a retalho. Pode argumentar a Autoridade da Concorrência que esta “fusão” não vicia a concorrência em Portugal? Lá poder pode, e fê-lo do alto do seu pedestal revestido de dupla autoridade! Porém deve ser para os franceses (do Carrefur) verem, não deve ser para os Portugueses entenderem.
Hipoteticamente, admito que grandes cidades, como Lisboa e Porto, esse vício formal possa não ser sentido por parte dos consumidores, mas cidades médias, como Coimbra, esta aquisição prejudica claramente muitíssimo os consumidores. Bem pode argumentar a Autoridade da Concorrência que, em deliberação, obrigou o grupo Sonae Distribuição a prescindir do Modelo de Eiras e do projecto de Condeixa e que “essa medida não é susceptível de levar à criação ou reforço de posição dominante da qual poderiam resultar entraves significativos à concorrência efectiva”. Metaforicamente, fazendo-nos passar pelo “Zé Povinho”, de Bordalo Pinheiro, com “manguito” e tudo, é caso para interrogar o presidente da Autoridade da Concorrência, Abel Mateus: IMPORTA-SE DE REPETIR?

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