Gosto do estilo do novo Bastonário dos advogados, António Marinho e Pinto. Através da imprensa, há muito tempo que sigo o seu percurso de intervenção Social. Sinceramente, embora discorde de alguns dos seus pontos de vista, fiquei muito contente com a sua eleição. Fez-me acreditar que as convicções não estão em colapso e renascer a esperança de que os mais pequenos, se forem tenazes, alcançarão lugares de topo. Como a maioria, certamente, nunca pensei que seria eleito entre os seus pares. Considerava-o um Quixote a lutar contra as rotinas das velas instaladas, ao sabor dos ventos fortes, senhor omnipotente e responsável pelo movimento cíclico do anacrónico e ultrapassado moinho. “Um moinho”, –entenda-se o tribunal-, prenhe de ritos, onde o “moleiro”, –entenda-se o Juiz-, muitas vezes exacerbando o seu irresponsável poder, consignado por um sistematismo secular e de uma cegueira obstinada, reiterados pela importância elevada do pódio social, desrespeita os restantes trabalhadores –entenda-se advogados, testemunhas, réus e oficiais de justiça- que estão na base do pleito e de um trabalho possível, tantas vezes mal compreendido por aquele. É evidente, no tocante aos juízes, que não estou a generalizar. Como em todas as profissões, há bons e maus profissionais, e também não quer dizer que o novo bastonário tenha razão em tudo o que proferiu. A verdade, diga-se, é que teve o mérito de trazer à discussão pública algumas arbitrariedades perpetradas por uma classe que se considera quase intocável e ao arrepio dos anseios de uma sociedade que reivindica e comunga de uma justiça justa. Especulando um pouco, embora se saiba que exigir justeza a uma justiça racional, feita por humanos, tem algo de irreal e de metafísico. A comunidade exige bom senso, razão, rectidão e imparcialidade, a uma justiça desempenhada por homens; sabendo todos que o homem é naturalmente e intrinsecamente injusto como é que se pode pedir equidade a uma magistratura que os representa e exerce o poder judicial? É silogismo. Ou filosofia do direito, mas, no fundo, embora ansiemos todos pelo equilíbrio dos pratos da balança, temos todos de compreender as dificuldades e as limitações implicantes da virtude de “atribuir a cada um o que é seu”.
Voltando ao Bastonário dos advogados, e pegando na entrevista de Marinho e Pinto concedida ao Diário de Coimbra (DC), em 07 de Dezembro passado -que, naturalmente e coerentemente, ratificavam algumas das suas anteriores afirmações, verbalizadas e escritas, ao longo dos últimos anos, sobretudo, enquanto membro da equipa e entrou em rotura com Júdice, ex-bastonário da Ordem- analisemos, então, algumas das suas afirmações, nomeadamente a “desjudicialização” da Justiça –a seu ver, a negação da justiça que o Estado pratica, num afã de solucionar os problemas de uma sociedade emergente eminentemente litigante, quando recorre a instituições como os Julgados de Paz e centros de mediação de conflitos a fim de esvaziar os tribunais de 1ª Instância de pequenos litígios- e os “Numeros Clausus” de ingresso de novos alunos nas 26 instituições que ministram cursos de Direito. Em seu entender, “bastava haver cinco faculdades de Direito. Temos de limitar. Não podem entrar dois mil advogados por ano na Ordem. Não há possibilidade. A Ordem em cerca de 20 anos passou de cinco mil para quase trinta mil advogados. A maioria dos licenciados em Direito encontra saídas profissionais que nada têm a ver com a formação académica que tiveram”-afirma Marinho e Pinto.
É aqui que discordo e lamento o curto rasgo de vista do bastonário, numa visão proteccionista, restrita, egocêntrica e inconstitucional –sabe disso muito melhor do que eu- em querer limitar o livre acesso à jurisprudência. Como se o direito de sonhar com uma profissão fosse apenas um privilégio de alguns e só depois de ter em conta os rácios estabelecidos. É aqui que é profundamente contraditório. Por um lado pugna pela concorrência, por uma reforma da justiça de acordo com uma nova sociedade de mercado livre, contra os “barões assinalados” num sistema, entre juízes e grandes escritórios de advogados, por outro defende o Cambismo do século XIX, a criação de barreiras e as restrições de acesso à advocacia. Ou seja, é liberal por convicção pragmática e programática e conservador quando toca aos seus interesses de classe. É difícil entendê-lo –e conseguirá ele, em catarse, entender-se a si mesmo? Duvido. Mas também não me espanta, todos os revolucionários só são coerentes na…incoerência.
Voltando às disparidades de rácio elevado de advogados –um para cada 380 habitantes-, esquece-se que um licenciado em direito pode exercer outra qualquer profissão. O Direito deve ser entendido socialmente como o “Quid”, o supra-sumo das regras sociais. Como é a educação, a ética e a moral. Aliás, o que está hoje na base de um aumento desmesurado de litigância é exactamente a ignorância legislativa que grassa na nossa sociedade. A confirmá-lo é um recente estudo da Faculdade de Economia da Universidade de Lisboa sobre a Reforma da justiça, investigação financiada pela Fundação Luso-Americana, que conclui que o caos da justiça em Portugal só se resolve com uma alteração de comportamentos, a nível individual e num maior desempenho processual por parte dos magistrados.
Hoje, qual é a licenciatura que não deva ser encarada como polivalente? Há excesso de licenciados em todos os cursos. E isso é mau? Para o bastonário é, para mim não. O Estado não tem obrigação de garantir emprego a nenhum licenciado. Uma licenciatura é uma formação superior subsidiada pelo Estado – por todos nós- a um individuo. Ou seja, é um complemento acessório intelectual pago por todos. No fim dessa formação, cada um terá de cuidar da sua vidinha. A única imperatividade é a obrigação de todas as faculdades informarem os seus alunos das saídas profissionais possíveis. Apenas isso.
Os crimes e a corrupção nascem geralmente de anseios económicos mas quase sempre proliferam pela ignorância do corruptor, não é pela falta de leis que defendam a transparência. Cada vez mais a introdução ao Direito deveria começar no 10º ano e seguintes. Felizmente, creio, que o Protocolo de Bolonha veio simplificar e tornar o curso mais formativo-cognitivo-intelectual, ao invés de um “massudo” e incompreensível ensino monástico praticado nas faculdades de Direito. Neste aspecto, pelo menos, VIVA A EUROPA!
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