terça-feira, 7 de agosto de 2007

UMA HISTÓRIA DOMÉSTICA MUITO VIOLENTA

(IMAGEM DA WEB)


 A primeira vez que vi o João, há cerca de dois anos, pareceu-me um rapaz todo desempenado fisicamente e, pelo pouco que falei com ele, bem formado intelectualmente. Contou-me os sonhos de independência financeira, normais num jovem de 20 anos. Ou, provavelmente, muito mais do que isso, o que pelo facto de simplesmente sonhar –sendo o sonho o princípio da realidade- me levou imediatamente a admirá-lo. Até comentei: “a Margarida teve muita sorte no rapaz que escolheu para seu futuro marido”.
A Margarida é minha prima em segundo grau. Uma miúda linda, própria duma mocetona de 20 anos. De cara angélica e um corpo de "barbie", a boneca criada por Ruth Handler em 1936.
Eu sabia que eles estavam a morar numa aldeia próximo de Coimbra, na mesma casa dos meus familiares. Há cerca de três anos em união de facto, num andar independente, mas de entrada conjunta. Sabia também que eles marcaram o casamento há tempos. Nunca me preocupei em saber como corria a sua relação. Dei por acabado que seriam mais um casal como tantos iguais a outros e fiquei à espera de ser convidado para a celebração do casamento.
No Domingo recebi um telefonema meio angustiante: “tio quando vens cá?...precisava de falar contigo…”-esta comunicação era da mãe da “barbie”, minha prima directa.
Passei então no Domingo, cerca das 21 horas.
-O que se passa”-interroguei- algum problema grave?
-Tio, a Margarida separou-se do João há cerca de um mês…-começou a contar a minha prima- e agora ele não a larga. Ameaça-a constantemente pelo telefone. Há dias deu-lhe um brutal tabefe num café, perante outras pessoas, que ela ficou com os dedos dele marcado no rosto. Como ela trabalha até à meia-noite, em Coimbra, e se desloca no seu carro, ele já, por mais de uma vez, a foi esperar a meio do caminho e, continuadamente, persegue-a. Há uma semana foi ao trabalho dela e ameaçou-a, conjuntamente com um seu colega de trabalho do qual ele sente uns ciúmes desgraçados.
Há dias encostou-lhe uma arma à cabeça e disse à Margarida que a matava se ela não voltasse para ele…-contou, em narração, a minha familiar de lágrimas nos olhos.
-E o que aconteceu agora –interrompi-a- estão juntos outra vez?
-Ela voltou para junto dele ontem, sim é verdade –responde a minha prima.
-Mas achas que ela voltou para ele devido à pressão emocional ou ao medo que ele lhe possa incutir? O receio de represálias físicas? –perguntei com acutilância.
-Tenho a certeza que sim. Ela teme-o. E nós também. Como ele tem, ainda, a chave de casa, vem de noite, faz barulho e vai ter com ela ao quarto, forçando-a…
-Diz-me uma coisa –interrompo- esta violência já vem de longe, não é verdade?
- É sim tio! Ainda eles não viviam juntos, e ele lhe deu uma “malha”. Depois vieram para aqui morar e era uma constante. Há cerca de um ano ela apareceu com um olho todo negro e um dedo “deslocado”. Perguntámos-lhe o que tinha acontecido e a Margarida respondeu que fora uma cotovelada do João…sem querer.
-Então, e, perante esse quadro de violência, ninguém fez nada? –interrogo, entre o incrédulo e o estarrecido.
-Não tio, a gente não gosta de se meter. “Entre marido e mulher não se deve meter a colher”…-responde a minha familiar com sofrida ignorância.
-E se ele a mata? –interrogo- como é que vocês ficam com a consciência? Não sabes que a polícia serve para prevenir esses casos?
-Pois é tio, eu sei, mas o meu marido não quer saber…
- Queres que eu apresente queixa? Acho que devo fazê-lo, é uma obrigação cívica, até, além de mais, para prevenir alguma coisa que possa acontecer –interrogo a minha prima.
- Sim tio. Faça-o!
Depois de ter tomado nota dos nomes da “barbie” e do agressor malfadado rumei ao posto mais próximo da GNR. Pelo caminho ia rebobinando este enredo de terror e fui fazendo o balanço desta família, dividida entre a cobardia e a omissão. Agarrada a aforismos estereotipados que, sendo levados à letra, dão um “geitão” para evitar chatices. Miséria de ignorância das pessoas. Povo atrasado, quase a cair para o mental. Ia simplesmente indignado.
E, a pensar neste abominável caso, cheguei ao posto da GNR, da cidade mais próxima desta aldeia. Eram cerca de 22 horas. Toquei à campainha da porta, veio um guarda e disse-lhe que pretendia efectuar uma participação de violência doméstica. Entrei.
-Violência doméstica? –interroga o cívico, como se tratasse de algo pouco comum- o senhor tem os elementos todos?...O nome da vítima, o nome do agressor? Onde moram?...tem tudo isso?...Mas a vítima não pode vir cá amanhã?
Com manifesta pouca tolerância, repliquei:- O senhor agente, sabe, melhor do que eu, que a violência doméstica é um crime público. E assim sendo, a mim cabe-me despoletar a situação, é a minha obrigação como cidadão. Tenho aqui alguns dados e os posteriores serão da responsabilidade do Ministério Público e da vossa polícia –repliquei sem disfarçar algum enfado.
-Pois, pois! Apenas estava a referir os dados porque é preciso preencher 14 folhas -respondeu o GNR, um pouco mais calmo, como admoestado.
- Senhor agente eu estou disponível. Estou aqui para isso -repliquei.
Começámos a fazer a participação, eu ia falando, ele ia escrevendo no computador.
No fim, deu-me a participação e disse: “assine aqui, se faz favor”.
Referi que gostaria de ler antes de assinar. Li, e no tocante às minhas declarações de denunciante, reparei que numa frase de cerca de duas dúzias de palavras haviam pelo menos 6 erros ortográficos. Comecei a pensar o que deveria fazer. Deveria dizer-lhe, ou não? "Digo, não digo…talvez não deva dizer?". Em conflito mental, acabei por optar no sim, com alguma relutância: “o senhor agente desculpe…” –e o homem lá emendou as minhas declarações.
É preciso dizer mais alguma coisa? Este é o país que temos. Quem ler este texto que faça o seu juízo de valor.


(HISTÓRIA VERÍDICA)

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