O menssenger começou a piscar. Atendi. Uma senhora apelava: “podemos falar?”.
Caro que sim, respondi. E começámos um diálogo que, a meu ver, é riquíssimo do ponto de vista antropológico e sociológico. Vou transcrevê-lo na íntegra. Escusar-me-ei a fazer juízos de valor. Quem tiver a paciência de ler este texto e chegar ao fim, certamente os fará. Vamos então ao diálogo:
-Boa tarde. Podemos conversar? Interroga (ela).
-Boa tarde, claro que sim! –respondo (eu)
-Vamos ver se temos algo em comum –(ela). Eu sou Professora –área de Letras –
divorciada. Passo a dizer que tipo de pessoa que me interessa: para ter afinidade
comigo. Deverá ser agnóstico ou ateu e deverá ser de esquerda.
Com sentido de humor e pessoa que saiba o que quer.
Depois, é óbvio que o aspecto físico não está posto de parte.
-Muito bem! Vou responder-lhe ponto-por-ponto.-(eu)-Sou agnóstico.
-Pela sua escrita, acho-o um tanto formal. –(ela)
-Politicamente, não sei onde me coloco. Se a senhora quiser discutir comigo a
“sua esquerda”, aposto que se vai achar de direita, pelas similitudes existentes entre as
duas ideologias. (eu).
-NÃO GOSTEI DE OUVIR ISSO! –(ela)
Está errado…
-Pois…mas é o que penso! –(eu)
-Mas está errado. -(ela)
Oquê??! Porque de direita eu nunca serei. Isso ofende-me…
-Estamos a conversar. –(eu)
-Sei. –(ela)
Mas posso dizer-lhe do meu percurso: no 25 de Abril militei em organizações de
esquerda que faziam trabalhos nos locais. Alfabetizei, fundei associações culturais e
um jornal.
-Diga-me um ponto, para si essencial, que considere intrínseco na esquerda. –(eu)
-Honestidade, sentido de justiça…(mas isto são apenas palavras)…anti-racismo. –(ela)
-E a direita? Para si não tem essas premissas? –(eu)
-NÃO! –(ela)
-Está enganada…-(eu)
-É que nem discuto tal coisa. Não vale a pena. Esqueça! –(ela)
-Não estou a defender a direita… -(eu)
-Palavras, demagogia, todos têm…-(ela)
-Politicamente, consigo transcender-me. Considero-me um observador, ou se quiser um
especulador…-(eu)
-Direita é retrocesso, mediocridade e “incultura”. Logo nem discuto…-(ela)
-Esse seu “fechar-se” às ideias dos outros é estranho…-(eu)
-Sou radical, pode dizê-lo, não me ofende! –(ela)
-Tudo é argumentável…-(eu)
-Não, não é! -(ela)
Tenho orgulho das minhas convicções.
O racismo, por exemplo, não é argumentável. É pura sacanice e estupidez.
-A senhora, como professora, deveria saber que tudo é arguível. –(eu)
-Não concordo! –(ela)
-Tudo pode ser, sim. –(eu)
-A tolerância é um “brinde” para os retrógrados e injustos…-(ela)
-Antropologicamente pode ser questionável. –(eu)
-Isso querem “eles”. –(ela)
Não me venha com filosofias…
-Venho sim! –(eu)
Esse seu corte é contornar airosamente os problemas. Eu estou, de certeza, à sua altura
Para os discutir, se quiser…
-Eu, para isso não estou. –(ela)
Não discuto o que, para mim, é óbvio…
-Tudo passa pela filosofia, como sabe…-(eu)
-Como queira! –(ela)
-É assim…para si?-(eu)
-É! –(ela)
-Mas pode não ser para os outros…-(eu)
-Nesta idade (52 anos), não ando a convencer ninguém…-(ela)
-A senhora, negando-se a ouvir os outros, com esse radicalismo, o que está a ser? –(eu)
-Cada um tem as suas opções feitas…-(ela)
Sou radical, “no problem”..-(ela)
-Eu não tenho, nem quero ter…-(eu)
-Ah…mas eu tenho…(ela)
De certos valores não abdico.
-Mudamos a cada minuto que passa..-(eu)
-Nem tanto. Não somos Camaleões… –(ela)
-Os valores são dinâmicos…-(eu)
-Aqui e ali, talvez. -(ela)
Mas no fundamental não…
-Já os princípios, (nem por isso), são mais estáticos…-(eu)
-Questão de terminologia. –(ela)
Não vou por aí. É perda de tempo. Desculpe…
-A senhora é que sabe…-(eu)
-Penso saber…-(ela)
-Por mim, respeito a defesa dos seus valores, não me perturba. Embora discorde…-(eu)
-Ok. –(ela)
-E o que quer fazer? –(eu)
-Não entendi…-(ela)
-Pergunto se quer desligar?! –(eu)
-Penso que somos muito diferentes…-(ela)
-Pois somos mesmo, sobretudo em género…-(eu)
-Ahahahahahahahah! –(ela)
Eu sou mais terra-a-terra, pelo saber do vento nas árvores e o olhar dum cão…
-Tenho dúvidas de que assim seja…-(eu)
-Assim como? –(ela)
-Duvido que saiba interpretar o vento…-(eu)
-Pode considerar-me uma utópica…-(ela)
-Repare, eu não tenho nada contra a sua utopia. –(eu)
O que sou contra, (perdoe a franqueza), é a sua intolerância, imprópria de uma pessoa
que tanto se arroga de apregoar que é de esquerda.
Pode até, se quiser, “dissecar” etimologicamente a palavra “tolerância”. Analisá- la-emos sobre o ponto de vista filosófico. Mas tenha calma. Por favor ouça
os outros. Desculpe.
-Lamento, penso que não vale a pena continuar..-(ela)
-A senhora é que sabe.-(eu)
-Fique bem. –(ela)
-Tenha uma boa tarde. –(eu)
-Obrigada. –(ela)
-Obrigada para si também. –(eu).
(HISTÓRIA VERÍDICA)
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