Maria casou cedo, ali para os lados do norte. Mal o padre acabou de soletrar a programática interrogação: “aceita Maria…” e já o recém-empossado marido estava a agarrar na mala e a correr para o comboio à procura de melhor sorte. Corria o ano de 1982. Por aqui as coisas estavam dificilíssimas. Os juros bancários chegavam aos 38 por cento. E, por muito que se admirem hoje, o montante correspondente a um ano ficava lá imediatamente. Quem pedisse emprestado um milhar de contos –se tivesse a felicidade de lhe ser concedido o empréstimo, que na altura era coisa rara- levaria para casa cerca de 620 contos. Hoje, este procedimento, parece anedótico, mas era assim. João, o marido de Maria, lembra-se, uma vez, pouco antes de casar, de ir a um banco pedir crédito e o funcionário bancário, do alto do seu pedestal imaginário, medir João, de alto a baixo, várias vezes, até o olhar se imobilizar nos coçados sapatos e entre várias perguntas, quase com gozo sádico, interrogar João: “o senhor tem alguma coisita de seu?”. Claro que João não tinha nada, a não ser uma indominável vontade de vencer. É evidente que João saiu vencido mas não convencido. Mentalmente, pelo caminho, com raiva pensava: “um dia hão-de querer emprestar-me dinheiro e eu não vou querer”. Por isso, logo a seguir à cerimónia nupcial, partiu, levando uma mala cheia de sonhos, sem saber exactamente onde pararia o comboio. Parou no Luxemburgo e foi lá que João desceu. O Luxemburgo é um Grão-Ducado, com uma monarquia constitucional parlamentarista desde 1868. Fica ali ao pé, entre a Alemanha, França e Países-Baixos, como quem diz a Holanda.
Entretanto Maria ficava por cá, perdida entre mantas de lágrimas de solidão e saudades de João. Ia trabalhando no que podia lá na terra, sempre esperando boas-novas do João.
Quando vinha o carteiro, era a pergunta repetida até à exaustão: “traz carta para mim, senhor Ambrósio?”. De vez em quando vinha uma. Poucas vezes porque João não era muito dado às letras.
Nos primeiros anos, João vinha visitar Maria uma vez por ano. Quando partia deixava-a sempre prenhe duas vezes: de uma nova vida dentro de si e grávida de esperança de um dia se poder juntar ao marido. A vida foi correndo. João sempre cumpriu com o envio do vale de correio mensal. Maria era muito poupada, nunca estragou um tostão no mal gasto. Ia trabalhando na terra e toda a mensalidade do marido ia para a conta-poupança-emigrante. Com os filhos espigadotes, Maria comprou o trespasse do pequeno café da terra. Trabalhava que nem uma galega. Chegava a laborar 18 horas por dia. Com o seu jeito para o negócio e esforço transpirado até quase ficar exangue, Maria abre um segundo, agora com pastelaria. Este estabelecimento era a menina dos seus olhos. Era um sucesso na terra. Mas Maria não era feliz. As cartas de João começaram a rarear e as suas visitas também, se bem que sempre enviasse o vale atempadamente. Uma noite de poucas horas deitada, fazendo que dormia, Maria toma uma decisão: Vou ter com o meu João. Vou vender tudo. Se melhor o pensou, melhor o fez.
Deixa os filhos aos cuidados dos seus pais e em 1999 parte para o Luxemburgo ao encontro de João. Mas João, malandrão, não resistira aos encantos de uma Grã-Duquesa e já não se inclinava para Maria. De certa forma não fora surpresa para ela. No seu íntimo já o suspeitava. Mas Maria era uma mulher tesa. Não seria um sonho de amor desfeito que a iria mandar ao tapete. Olhou sempre para a frente. Fez mil trabalhos ocasionais, sempre honestos, como gosta de sublinhar. Foi cozinheira, balconista, e até empregada de limpezas, que aliás hoje mantém como profissão. Mais tarde chamou os filhos. Hoje, com 45 anos, uma bela e apetitosa “cota”, está muito bem financeiramente. Continua a trabalhar muito. Às vezes chega às 12 horas diárias. Quando lhe pergunto se vai voltar um dia a Portugal, a resposta vem directa, em forma de interrogação e constatação: “acha?...Jamais!”.
Porquê? Insisto. "Olhe, porque é o melhor país do mundo para se viver. Aqui até a chorar, na desgraça, as pessoas são felizes". Ainda dizem que o dinheiro não traz felicidade, digo eu, de modo a instigá-la a falar. Claro, pode não ser tudo mas é o seu maior braço de alegria. Já viu? –Responde-...aqui o salário mínimo é de 1450 euros. Um professor ganha cerca de 4000 euros mensais. Se tiver mais de dois filhos não paga impostos (aqui a média de natalidade é de quatro crianças por casal). As despesas com saúde são 80% reembolsáveis. A Alimentação é mais barata que aí em Portugal. Só as rendas de casa é que são muito caras. Uma casita pequena pode levar cerca de 800 euros do ordenado mensal auferido. Este pequeno país tem o maior PNB (produto nacional bruto), per capita, do mundo, além de baixa inflação e baixo desemprego. Por exemplo aí em Portugal, quando toda a gente abandonou a agricultura de subsistência, aqui continua a predominar a pequena courela, baseada em fazendas de pequenas famílias. Mantém uma taxa de crescimento estável. Acha que vou para aí, para Portugal fazer o quê? Mendigar? Conviver com a tristeza palpável nos rostos dessa gente? Tenha dó. Quer um conselho? Fuja daí".
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