terça-feira, 26 de março de 2019

CRÓNICA DO MALHADOR (3)

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)




Ontem, mais uma vez, aconteceu uma sessão de câmara a descambar para o desrespeito entre o presidente e vereadores e entre estes e os munícipes presentes para intervir na sessão. Por este andar, ninguém se admire se, um dia destes, tal como em parlamentos de países de leste, houver uma cena de pugilato.
Segundo o que se visiona num vídeo publicado pelo Notícias de Coimbra -o único jornal online que, em tempo real, noticia o que se passa no hemiciclo -, tudo começou com o vereador José Manuel Silva a protestar contra o facto de, na qualidade de vereador, ter sido impedido de consultar um processo de um munícipe e, exacerbando a função a que está adstrito, ter colocado música de intervenção em alta voz. Escreve Silva: “(...) quando, no exercício democrático das minhas funções de vereador eleito, recorro aos serviços da Câmara para consultar formalmente um processo, na sequência de uma participação de um munícipe, e sou reenviado para os serviços de Atendimento Geral, considero que se trata de uma falta de respeito e transparência e de um obstáculo ao exercício da democracia” .
A emenda foi pior que o soneto, numa prova de pouca tolerância democrática (e política), com Machado a levantar-se da cadeira e a ir desligar o micro do vereador do movimento Somos Coimbra, e ameaçar levar o caso ao Ministério Público -sabendo antecipadamente que não há matéria de facto que o consubstancie, estamos no campo da chincana!
Continuando na lavra da falta de dignidade de um órgão público, com a intervenção cidadã prevista e prescrita no regulamento para as 17h00, apenas aconteceu às 18h50.
Nitidamente a querer despachar a toda a pressa o desempenho do munícipe (que, no caso, era eu), sublinhando que tinha três minutos quando o Regimento prevê dez, passou cerca de um quarto de hora a, numa demagogia digna de nota, elencar a obra feita do regime -obviamente sem responder a uma única questão formulada por mim.
Para mostrar que estamos todos muito bem entregues, Paulo Leitão, da Coligação Mais Coimbra, mostrando o pouco respeito para com o munícipe que estava a ser interpelado, deu em interromper o presidente e a exibir o relógio.
O que vimos foi uma cena lamentável, com os vereadores a arrumarem as suas coisas a toda a azáfama, esquecendo que havia pessoas à espera de intervir há cerca de duas horas.
Para complicar ainda mais, havia um outro munícipe alegadamente inscrito para se manifestar, conforme afirmou alto e bom som.
Como já estavam todos de malas aviadas para ir embora -notoriamente a expressarem que vão ali só por obrigação de função e pouco interessados em ouvir o público inscrito para expor as suas preocupações -, num quadro patético, lá foi Carlos Clemente, o adjunto do presidente, tentar colocar água na sua impaciência e, porque conhecia o acompanhante, falar com o munícipe e a pedir-lhe calma.
Tenham vergonha, meus senhores!


P. S. - Já depois da publicação deste post tive ocasião de falar com Paulo Leitão, vereador da Coligação Mais Coimbra (PSD/CDS-PP/PPM/MPT) sobre a sua actuação na sessão de câmara de ontem. Foi afirmado por este vereador sem pelouro que, embora pudesse ter criado outra interpretação nos presentes, ao olhar para o relógio e interromper Manuel Machado, não foi porque tivesse pressa para ir embora. A interrupção e o gesto simbólico tiveram por intenção pôr fim a um discurso demasiado longo e completamente demagógico. Para além de chamar a si todo o tempo de antena, Machado não permitiu o contraditório do munícipe presente na intervenção nem a interpelação política da oposição, enfatizou Paulo Leitão.


DEIXO AQUI O TEOR DA MINHA INTERVENÇÃO:




SENHOR PRESIDENTE DA CÂMARA, SENHORES VEREADORES, MEUS SENHORES E MINHAS SENHORAS
Como ressalva, antes de entrar no assunto que trouxe aqui, saliento a profunda falta de respeito que esta câmara tem para o seu munícipe. O Regimento prescreve as 17h00 para intervenção pública. Ora, o relógio marca 18h50, ou seja, uma hora e cinquenta minutos depois. Os senhores estão vinculados ao princípio do respeito e consideração pelo cidadão. Estamos perante um abuso de confiança - no sentido que o cidadão deposita a sua confiança nos seus representantes, e estes, que foram eleitos por serem o modelo de bom chefe de família e homem médio de bom-senso. Até compreendo que as sessões se possam prolongar, entendo também que dá muito jeito a este executivo que não haja alguém a intervir, porém é sua obrigação alterar o Regimento e, em vez de colocar o público a intervir no final, deve passar a ser no início da sessão.
E agora vou à questão principal:
Enquanto comerciante, munícipe e cidadão, venho aqui falar de um assunto que o senhor presidente está farto de ver mas, num lamentável alheamento, parece não querer saber: o acentuado declínio da baixa comercial. Custe o que custar, tem de acordar para a triste realidade: A BAIXA COMERCIAL ESTÁ A MORRER!
Desde há cerca de vinte e cinco anos que, sem sobressaltos de consciência cívica perante o deslizar para o abismo desta zona de antanho, assistimos a um assobiar para o lado da classe política na qual o senhor se insere. Interrogo: o facto de abandonar a Baixa à sua sorte e ser igual aos seus antecessores não lhe retira o sono?
Para consubstanciar, juntando a mais de uma centena na década anterior, no ano passado encerraram 32 estabelecimentos. Neste ano de 2019 vai em 7. O comércio tradicional está em queda livre no coração da cidade! O estado de desgraça é de tal modo caótico, e atingiu tal gravidade, que presumivelmente já não haverá antídoto possível para o inevitável desaparecimento da venda tradicional. Perante a lassidão colectiva, social e política, estamos a assistir ao extermínio de uma actividade que faz parte da história de todos os lugares habitados, a uma orquestrada destruição criativa do ofício físico mercantil.
Na actualidade, o comércio local não gera valor suficiente para se manter. Em média, as novas lojas não vão além de um ano em funcionamento. A debandada está em marcha! Sendo, como eu, um filho adoptado por Coimbra, não lhe dói o peito ao ver as imagens multiplicadas de lojas encerradas que se avistam destas janelas?
Desde o seu reingresso na política activa, em 2013, que o seu executivo continua a apostar no circo para fazer esquecer as mágoas. São festas para turista ver, o que, em benefício, não traz absolutamente nada para a revitalização desta área de compra e venda. O que afirmo, aqui e agora, é que estes eventos, de elevado “show off”, servem para criar uma atmosfera fogueteira, de fumaça e propagandista, e sem qualquer conteúdo de recuperação.
Com a conivência de alguma comunicação social acrítica e rendida ao sistema, escrita e falada, que só revela a fachada presumida e não o interior real onde prosperam as falências e o desespero das pessoas com contas para pagar, mostra-se falaciosamente um centro comercial de vida, pujante de turismo, que está na moda, activo e a mexer, como nenhum outro nacional.
É preciso que este executivo PS meta as mãos na massa e, com um capaz Gabinete de Apoio ao Investidor, capte investimento que crie emprego e chame pessoas para consumir na Baixa. Adivinho que vai invocar a recente inauguração do Centro de Negócios, na desaparecida Traje, na Praça do Comércio. Porém, como julgo saber, é uma iniciativa empresarial particular onde a câmara pouco ou nada interveio mas, pelo contrário, apanhando a boleia, se aproveitou do facto para eleitoralismo e justificar um desenvolvimento que, na prática, não existe.
A propósito, em Abril de 2018, segundo a imprensa regional diária, num projecto de 300 mil euros comparticipado pela CCDRC, Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, esta Câmara atribuiu à APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra, o montante de 55 mil euros para a instalação de 20 empresas “startups”, indústrias criativas, na Baixa. Cerca de um ano depois, quantas empresas já nasceram deste parto assistido geradas de pai incógnito?

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